É interessante pensar que os melhores programas do ano, até o momento, são dramas criminais. Isso, claro, na minha humilde opinião. Mas desde o surpreendente documentário da Netflix, Making a Murderer, vimos pelo menos mais três séries investigativas, em 2016, com uma qualidade impressionante.
Deixando um pouco de lado aspectos técnicos, todas essas séries conseguiram algo crucial para produtos que visam abocanhar um bom número de audiência: deixar o público desesperado pelo próximo episódio. American Crime Story, por exemplo, reconstruiu o julgamento de O.J Simpson de forma surpreendente; American Crime mostrou que a televisão aberta ainda pode produzir pequenas joias, e Fargo apareceu para mostrar que histórias pesadas podem ser carregadas de um humor negro genial.
Embora a HBO não viva mais seus anos louros de Família Soprano e Six Feet Under – ficando presa mais ao seu principal produto, Game Of Thrones – este ano o canal mostrou porque eles elevaram a televisão a um outro patamar. The Night Of é viciante.
Inspirada em uma série da BBC chamada Criminal Justice (2008), The Night Of segue o julgamento de Nazir Khan (Riz Ahmed). Após ter passado a noite na casa de uma jovem, Nazir acorda de madrugada e a encontra esfaqueada. Depois de tentar fugir em pânico, ele é acusado de homicídio e preso. Na delegacia, Nazir recebe ajuda do fracassado advogado Jack Stone (John Turturro), que sofre de eczema, deixando sua pele, digamos, nada atraente.
Assim como as séries citadas acima, The Night Of denuncia as complexas relações entre os casos analisados pela polícia, os procedimentos legais, o sistema criminal e a cruel vida dos detentos na penitenciária.

Embora a sinopse até cause uma sensação de dejá vu no espectador, o roteiro e a direção dos episódios conduzem o público de maneira impressionante. O primeiro episódio apresenta a série de forma inteligente. Cada frame, enquadramento e diálogo dizem alguma coisa que será explicada mais para frente. Ao final deste episódio, a série consegue facilmente estabelecer uma forte conexão para que as pessoas continuem assistindo os outros.
Interessante, também, é que o público fica no escuro, exatamente como os personagens. Ainda que o protagonista seja carismático, é angustiante perceber como ninguém, que supostamente deveria ajudá-lo, está realmente interessado em saber o que aconteceu de fato naquela noite. Enquanto o isso, o cruel sistema judicial americano vai corrompendo a alma de Nazir aos poucos.
É um mistério perfeito, instigante e que, diferente das outras séries que preferem discutir os bastidores sem se importar tanto com a conclusão, o final importa.
E embora o roteiro seja muito bem escrito e as reviravoltas sejam empolgantes, é no próprio argumento principal que a série se sustenta tão bem. É um mistério perfeito, instigante e que, diferente das outras séries que preferem discutir os bastidores sem se importar tanto com a conclusão, o final importa. A atenção a todos os detalhes, especialmente no episódio piloto, consegue conectar o público até o final com uma direção firme.
As cenas vão jogando pistas, trilhas para que o público olhe cada em canto sem piscar os olhos. Todas essas pistas, aliás, ligam o protagonista ao crime, a defesa parece estar fazendo um péssimo trabalho, mas há alguma coisa errada que ninguém está vendo. Essa dúvida deixa algo urgente na série, afinal, devemos confiar nas provas ou no conceito de hora errada, lugar errado?
E mesmo que o público se envolva facilmente com o drama de Nazir, quem rouba a cena é o personagem de John Turturro. Interpretando um advogado oportunista que provoca o asco de quase todos ao seu entorno (além de enfrentar sua própria auto-depreciação), John consegue mostrar sua solidão de forma bastante comovente. O ator também precisou enfrentar a pressão de interpretar um personagem que seria do grande James Gandolfini (Família Soprano), que morreu logo no começo das gravações.
A série ainda cresce quando acompanhamos a investigação da defesa e do Estado. Mesmo que o tema já tenha sido discutido em outras produções, é interessante refletirmos, mais uma vez, como o sistema sobrecarrega o homem comum. Os tribunais são caóticos, nada é glamouroso, a opinião pública é cruel, as prisões são feitas ilegalmente, os funcionários públicos estão sobrecarregados de trabalho, o que os leva a cometer decisões terríveis. Todos, indiretamente, são vítimas de um sistema corrupto e cruel. Independente da decisão final vista na série, Nazir já foi condenado e eternamente prejudicado, dentro da prisão ou não.

Mas nem tudo é certo em seus oito episódios. Assim, a única coisa fraca na série é quando o roteiro foca sua história de Nazir dentro da prisão. Veja, é bastante interessante assistir às transformação do personagem, vê-lo fazer coisas terríveis para poder sobreviver naquela micro-sociedade. Porém, nada disso convence.
Vemos algumas cenas bastante clichês, como a tatuagem de “pecado” (sin, em inglês) nos dedos, ou aquele indivíduo da prisão que manda em todos e é o chefe do lugar. Tudo isso envolve a audiência, já que começamos a perceber que Nazir não é tão bacana assim, mas enfraquece sua narrativa ao trabalhar com cenas bastante batidas.
Mas tirando o pequeno deslize, The Night Of é, enfim, a vida real e acinzentada de todos nós. Tudo na série é muito frio, tedioso e deixa o espectador sempre na pele do protagonista. O ritmo é lento, mas sem ser chato, o silêncio é usado de maneira sufocante e o roteiro consegue concluir a história de maneira bastante eficiente, sem nenhum final feliz. É, enfim, mais um grande drama da televisão em 2016 e que promete fazer bonito no Emmy do próximo ano.