The Twilight Zone, série de ficção científica criada por Rod Serling, sempre utilizou o gênero como uma espécie de espelho da sociedade, especialmente na sua versão original, que durou de 1959 a 1964. Tendo que lidar com a censura do canal CBS, que proibia os roteiristas de falarem sobre assuntos espinhosos, como guerra nuclear, por exemplo, a equipe da série tinha que rebolar para abordar política e os costumes da época de maneira inteligente.
Essa dinâmica dava espaço para a criatividade, o que rendia episódios clássicos e marcantes ate hoje na memória das pessoas. Já a segunda versão da série, de 1985 a 1989, alcançou a popularidade mundial e no Brasil ficou conhecida como Além da Imaginação. Mais detalhes sobre a origem de The Twilight Zone podem ser lidos em dois artigos da coluna “Espanto”, escritos por Rodolfo Stancki, que podem ser vistos aqui e aqui.
Depois de anos influenciando novos autores, a obra de Rod Serling volta com uma nova versão, agora pelas mãos de Simon Kinberg, Marco Ramirez e Jordan Peele, este último aclamadíssimo por seus filmes Corra! e Nós. Peele também é responsável por narrar os eventos sobrenaturais vistos na série, posto ocupado antes por Serling, na série original, e por Charles Aidman, no remake dos anos 1980.
Pois muito que bem, depois de toda essa introdução, resta saber: o que a nova versão de The Twilight Zone traz de relevante para nós? A resposta não é simples, visto que a série parece encontrar seu tom aos poucos, mas ainda não chega lá. Com dez episódios encomendados, sendo que seis já foram ao ar (eu vi os cinco primeiros), a série consegue introduzir muito bem os argumentos e aguçar a criatividade do público, mas peca na execução, que acaba sempre caindo no lugar comum.
Talvez o problema seja que, atualmente, Black Mirror ocupa o posto de produção de ficção científica que aborda o comportamento social como ponto de partida para os episódios.
Talvez o problema seja que, atualmente, Black Mirror ocupa o posto de produção de ficção científica que aborda o comportamento social como ponto de partida para os episódios. Obviamente, Black Mirror jamais existiria sem The Twilight Zone, e o próprio criador já disse se inspirar quase 100% na série, mas fica a impressão de mais do mesmo, até uma certa inferioridade em relação à série da Netflix. Afinal, para que precisaríamos de uma série semelhante?
A versão de 2019 de The Twilight Zone traz exatamente o que esperamos dela. O universo estranho, as bizarrices um tanto quanto perturbadoras, a narração enigmática e todos os elementos que fizeram da série um sucesso estão lá. A diferença é que, com uma maior liberdade na televisão, a produção poderia ir além das críticas óbvias ou das mensagens com um fundo de lição de moral. Os episódios três e cinco, por exemplo, talvez sejam os melhores da temporada até agora, mas concluem a história com algo panfletário ou óbvio demais.
Em “Replay” (terceiro episódio), vemos uma mãe lidando com diversas situações racistas enquanto tenta levar seu filho para o primeiro dia de aula na faculdade. O sobrenatural fica por conta de uma filmadora antiga, que tem o poder de voltar algumas horas no tempo toda vez que ela aperta o botação de rebobinar. O episódio é forte, cheio de críticas pesadas e situações absurdas, mas termina com uma mensagem fechadinha demais. Funciona, mas não é nada sutil.
Já em “The Wunderkind” (quinto episódio), vemos o esforço de um coordenador de campanhas políticas para eleger uma criança o próximo presidente dos EUA. Mimada e cheio de discursos demagógicos, a criança vai ganhando o coração dos eleitores, até que chega ao poder. A crítica ao governo Trump é clara, mas, novamente, o final é o que a gente espera, sem muita elaboração. É quase como se os roteiristas quisessem provocar uma reflexão, mas sem ir muito além da superfície.
Algo parecido ocorreu com Black Mirror quando a série saiu do canal britânico Channel 4 e foi para a Netflix. Continua sendo uma ótima série e também um grande espelho da sociedade, mas os roteiros bem trabalhados e embalados por uma crítica sutil foram substituídos por algo didático demais, quase como se a produção não tivesse confiança no público. The Twilight Zone parece ter o mesmo problema.
Ainda assim, a série é perfeita para ser maratonada, sem mostrar cansaço, embora venha sendo exibida semanalmente pela plataforma streaming do canal CBS e ainda não há data para exibição em algum canal brasileiro. Mesmo com roteiros ainda mornos, a volta de The Twilight Zone é mais do que bem vinda em 2019, especialmente quando a realidade parece mais absurda do que a ficção.