Em plena crise planetária acometida pela pandemia de COVID-19, as emissoras estão sendo forçadas a reinventar suas grades, pensando numa programação que faça sentido em um momento acometido pela tensão e pelo medo real de uma doença. Há uma espécie de dilema, que envolve manter ou não o equilíbrio entre uma grade densa, jornalística, e as atrações light, que servem para mero entretenimento, desanuviar cabeças já tão pesadas. Os programas de fofoca, portanto, entram nessa segunda leva, e precisam também se repensar neste momento de tantas ameaças. Afinal, vale a pena falar e rir de ricos e famosos quando a morte está à espreita?
O Fofocalizando, conforme já comentei aqui nesse espaço, é um dos programas mais sintomáticos deste tal “jornalismo” de celebridades, justamente por ter conseguido criar uma narrativa própria, mais interessante até que os famosos em si. Ao unir nomes já consolidados nesse mercado (como Décio Piccinini, Léo Dias e Leão Lobo) com comentaristas inflamadas (como Mara Maravilha e Lívia Andrade), conseguiu formar um elenco bastante disposto não apenas a falar dos seus alvos, mas de si mesmos. Uma narrativa paralela do programa, portanto, envolvendo possíveis desafetos entre os apresentadores e rusgas internas no SBT, ajudou a tornar o Fofocalizando um programa razoavelmente divertido – especialmente para quem curte notícias de bastidores de TV.
Desde meu primeiro texto sobre o programa, em janeiro de 2019, muita coisa já mudou. As cadeiras dançaram: Léo Dias foi para a Rede TV!, Décio Piccinini foi substituído por Gabriel Cartolano, e Mamma Bruschetta perdeu o posto para Chris Flores. A justificativa “oficial” foi uma rejuvenescida no elenco, uma vez que os veteranos já são septuagenários. Em março, Leão Lobo foi afastado em razão da pandemia.
As mudanças quase semanais parecem já ter se tornado a regra deste programa, quando, então, a mais inesperada ruptura acontece: Fofocalizando virou Triturando, por uma própria decisão do dono da emissora, Silvio Santos. A nova atração, na verdade, centraliza-se em um único quadro do Fofocalizando, intitulado “Tritura ou não tritura”, em que os apresentadores analisavam algum famoso e “triturava” sua foto dentro de um robô cênico, chamado de Fofobyte.
O SBT sofre de um amadorismo típico das empresas de natureza familiar, em que o patriarca veterano acredita ter a fórmula de um negócio, que pode ter funcionando em tempos de outrora, mas que não consegue se atualizar ao tempo.
Os resultados – tanto do quesito “divertimento” quanto de audiência – têm sido péssimos. O jornalista Ricardo Feltrin analisou melhor quais os problemas centrais do Fofocalizando/ Triturando, evidenciando o aspecto mais importante: o fato de que a atração do SBT se formata às vontades de seu dono, em decisões que parecem muito mais impressionistas que profissionais. Não por acaso, como esclarece Maurício Stycer no livro Topa tudo por dinheiro, corre internamente uma piada de que “SBT” significaria “Silvio brincando de televisão”.
O que parece, portanto, é o que o SBT sofre de um amadorismo muito típico das empresas de natureza familiar, em que o patriarca veterano acredita ter a fórmula de um negócio, que pode ter funcionando em tempos de outrora, mas que não consegue se atualizar ao tempo. A emissora, que estabeleceu grandes marcos afetivos na vida dos brasileiros, tem emplacado cada vez menos acertos e peca constantemente pelo conservadorismo e pela repetição dos mesmos formatos durante décadas. Se pudemos um dia encarar SBT como um Davi capaz que encarar o gigante Golias (a magnânima Globo), hoje podemos dizer que Davi está cansado, exaurido e, infelizmente, sem graça.
Faço ainda uma ressalva: um dos únicos episódios a repercutir bem no Triturando foi o discurso de Chris Flores detonando a lamentável entrevista de Regina Duarte para a CNN. No entanto, conforme notícias que circulam, dentro do SBT, o Triturando foi readequado e pautas vinculadas a qualquer nuance da política foram proibidas. Mais uma boa oportunidade aparentemente perdida de fazer o programa ganhar alguma relevância.
A última mudança encarada foi a estreia no Triturando de Flor (ex-jurada do Show dos Calouros, conhecida por pavonear, na época, sua suposta virgindade) e Ana Paula Renault (ex-participante do Big Brother Brasil), e a saída de Lívia Andrade. Agora é de esperar para ver se há uma melhora nos resultados – Ana Paula, aliás, ficou conhecida no BBB justamente por um temperamento explosivo, e é esperado, portanto, que ela escape das diretrizes de Silvio Santos. E a ciranda segue, enquanto Fofocalizando/ Triturando não for aniquilado de vez.