Uma das frases mais associadas à televisão (e das mais equivocadas na sua essência) é a ideia sempre repetida de que uma “imagem vale mais que mil palavras”. Para muitos, é ela que explica a força que a TV teve, e continua tendo, durante tantas décadas: a televisão conseguiria levar à população uma mensagem de forma muito mais acessível, translúcida e forte do que as palavras, que seriam como “traduções” imprecisas daquilo que as imagens dizem. Por isso mesmo, a TV seria mais sedutora que, por exemplo, os livros, que necessitam de um esforço bem maior de concentração para serem lidos.
Mas há um problema neste raciocínio que não pode ser ignorado. Se, por um lado, as imagens mostram coisas de forma muito evidente, é preciso lembrar de que elas são sempre distorcidas – seja pelas palavras que as significam, pelas edições que as alteram, pela manipulação que apela aos sentimentos e não à razão. Se as imagens dizem mais que as palavras é porque, de algum modo, elas são utilizadas para dizer coisas que nem sempre estão lá, nelas mesmas.
Isso não significa, por outro lado, que as imagens não tenham uma potência intrínseca à sua natureza, um poder de quase hipnotizar a quem vê, meio que nos obrigando a não afastar o olho quando observamos algo que realmente nos cativa. E talvez seja isso, no fim das contas, que faz com que a TV continue tão relevante entre nós, por mais que divida seu espaço com diversas outras plataformas de mídia. Quando assistimos a uma imagem forte, provinda do mundo real, não há como resistir ao magnetismo daquilo que vemos.
Insinua-se aqui uma razão para a hipnose causada por essa imagem: o fato de que ela registra um ‘quase’ salvamento, uma sensação excitante de suspense e consequente frustração, quase como se estivéssemos assistindo a um filme.
Falei recentemente da força inegável da TV ao vivo, que parece captar um real pulsante e que tenta escapar de qualquer forma de controle mediado pelas palavras. Não obstante, a transmissão ao vivo nem sempre angaria sua força ao ser exibida na televisão no momento de que as coisas acontecem. Em outras palavras, não precisamos estar vendo algo no exato momento em que ocorre para que uma imagem nos seduza de forma irresistível.
Há uma imagem que se repetiu absurdamente na televisão nas últimas semanas justamente por seu poder hipnótico: o registro do momento em que um homem é soterrado pelo desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo. Captada por um repórter cinematográfico da Rede Globo, a imagem é impactante em múltiplos sentidos, os quais pretendo discutir aqui – uma vez que é preciso tentar entender porque um registro visual como esse foi veiculado tantas e tantas vezes pela emissora, esvaziando-se de seu valor informativo (pois mais servia para provocar sensações do que para informar alguma coisa).
Há várias razões que podem explicar o fascínio pela cena do desabamento e da morte do homem (no começo, um anônimo, mas posteriormente identificado como Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, de apelido “Tatuagem”). Para começar, ela captura o exato momento do nascimento de uma tragédia: o momento em que a vida de um ser humano se encerra da forma mais inesperada possível. Pendurado em uma corda, prestes a ser salvo, “Tatuagem” encontra a morte junto com a queda do prédio, da qual tenta se salvar.
Insinua-se aqui uma segunda razão para a hipnose causada por essa imagem: o fato de que ela registra um “quase” salvamento, uma sensação excitante de suspense e consequente frustração, quase como se estivéssemos assistindo a um filme, e não à tragédia real envolvendo uma pessoa de carne e osso. Não por acaso, muitas emissoras de televisão e mesmo os vídeos do YouTube significaram esta imagem como “incrível” – ou seja, inacreditável tal qual como um efeito especial provindo de uma obra de Hollywood (há, inclusive, quem tenha editado o vídeo em câmera lenta, para que o espectador possa “saborear” a cena com mais cuidado).
Curiosamente, a cena cativa pois se situa na exata medida entre o ficcional e o real. Por um lado, parece um filme; por outro, o fator humano está presente, pulsante, na própria imagem, pois existe alguém que filma, uma mão, uma visão e um cérebro que comandam o registro e que, instintivamente, afastam o zoom da câmera justamente no momento em que nota que irá captar a queda e o esmagamento de um homem que existe. Ou seja, a imagem impressiona, pois sugere a morte mas não a mostra, gerando uma espécie de clímax eternamente frustrado – o que, de alguma forma, nos alivia: vemos a queda, mas não vemos a morte. Talvez por isso mesmo não nos sentimos como “abutres” vislumbrando a tragédia alheia – embora seja isso que, em alguma medida, todos sejamos, ao compreendermos como normal esse looping sem fim dessa forte imagem.
De todo modo, se há algum benefício na espetacularização dessa cena, é o fato de que ela ajuda a fazer com a pauta anexada à tragédia do desabamento do prédio (a discussão importantíssima em torno do direito à moradia) permaneça repercutindo no noticiário. Pelo menos por algum tempo, até que surja mais uma imagem tão forte quanto essa.