Ainda que tenham ocorridos outros assuntos relevantes na semana que se encerrou, é inegável tratar aqui de um fato absolutamente impactante na história da TV brasileira: a morte precoce do apresentador Gugu Liberato, vitimado por um acidente doméstico em sua casa nos Estados Unidos, aos sessenta anos. Confirmado depois de um dia todo de muita especulação, o falecimento de Gugu encerra a trajetória de um dos maiores comunicadores da televisão aberta.
A tragédia de sua morte tende a envolver Gugu em uma aura heroica, podendo talvez apagar certos momentos de sua trajetória – que, tal como de todo indivíduo de carreira longa no entretenimento, foi marcada por momentos marcantes e por episódios que ajudaram a sedimentar uma TV de má qualidade, baseada na corrida desesperada pela audiência.
Durante os já longínquos anos 90, por exemplo, Gugu e Faustão foram “rivais” nos domingos à tarde (o primeiro com o Domingo Legal, no SBT, e o segundo com o Domingão do Faustão, na Globo), disputando cada ponto do IBOPE e, para isso, apelando para as atrações mais apelativas e antiéticas. As duas atrações acabaram por assentar uma ideia de que a televisão dominical como sinônimo de baixaria. A história do apresentador também é marcada por equívocos indefensáveis – tal como a entrevista falsa com o PCC ou a exploração da entrevista com Suzane Von Richthofen, já na Record, emissora para a qual migrou em 2009.
É inegável que Gugu participou de um panteão das grandes estrelas televisivas, dotadas de um talento cada vez mais difícil de encontrar.
No entanto, é inegável que Gugu participou de um panteão das grandes estrelas televisivas, dotadas de um talento cada vez mais difícil de encontrar. Falo aqui dos grandes animadores de programas de auditório, pessoas munidas uma capacidade de falar às massas de espectadores espalhados no país inteiro, com a habilidade para unificá-los em um único grupo. Minha memória em relação ao Gugu diz respeito ao seu poder de magnetismo: em quadros do estilo “Gugu em minha casa”, o apresentador nos levava para dentro da casa de alguém e nos hipnotizava para permanecer lá dentro.
São poucas as figuras midiáticas que têm essa espécie de poder de hipnose. São os “monstros sagrados” (só para usar uma expressão popularizada por Faustão) da TV aberta, capazes de operar milagres apenas segurando um microfone na mão e falando diretamente à população. Muitos buscam obter esse poder, mas ele parece nato, difícil de ser capturado ou aprendido. E que capacidade inominável é essa? Empresto aqui a descrição dada por Maurício Stycer em seu texto: “Gugu, em particular, com seu jeito quase infantil, ingênuo, sempre transmitiu a impressão de que se surpreendia com tudo que exibia. Não importa se isso é verdade ou não. Importa que o espectador notava emoção quando Gugu parecia emocionado, tristeza quando o apresentador parecia triste, e graça quando ele gargalhava”.
Se Faustão tem a marca da irreverência, de falar qualquer coisa frente à televisão, como uma espécie de iconoclasta popular, e Silvio Santos simboliza em si a própria ideia da TV, e se tornou uma espécie de cânone da incorreção política do idoso, Gugu formou com eles um tripé, que se sustentava por mais humor e leveza que seus colegas. Era quase como um filho mais novo de Silvio e um irmão mais “amigável” de Faustão. Não por acaso, como destacou o colunista Tony Goes, o próprio fenótipo de Gugu – os cabelos aloirados, o ar de bom moço – o colocava como um príncipe televisivo.
Ao fim de sua carreira, Gugu parece ter encontrado um bom caminho para seu talento ao capitanear reality shows na Record. À frente do Power Couple Brasil (substituindo com louvor o engessado Roberto Justus, que se leva muito a sério para encarar com vontade uma empreitada dessas) e do Canta Comigo, Gugu conseguia se afastar das polêmicas do passado e aproveitar a potência de seu carisma de uma forma extremamente eficiente.
Pessoalmente, como criança crescida nos anos 80, me restam as lembranças dos muitos sábados e domingos esperando pelos programas que Gugu nos entregava, como o apoteótico Viva a Noite, e atrações infantis como o Play Game, uma competição de videogames, e o TV Animal, inspirado pela onda ecológica que permeou a década de 1990. De forma lamentável, Gugu encerra sua carreira precocemente, levando consigo uma era da televisão que já não existe mais.