Hoje entra em vigor uma resolução do Roskomnadzor, órgão russo responsável pela censura em mídia e telecomunicações, que quer obrigar a Netflix a exibir 20 emissoras de TV estatais ou com proximidade com o Kremlin.
Em 28 de dezembro do ano passado, o Roskomnadzor classificou a Netflix como “serviço audiovisual”. Esta classificação é atribuída às empresas de streaming online com mais de 100 mil utilizadores diários, que, entre outras coisas, precisam abrir registro no país como uma companhia russa.
Entre as determinações implicadas por essa resolução, a plataforma de streaming ficaria proibida de promover conteúdo considerado extremista pelo órgão. Na prática, tal medida impediria a circulação de informações a respeito de inimigos do governo de Vladimir Putin, exibição de produções com temática LGBTQIA+, entre outros.
Google e Apple já sofreram punições semelhantes

A medida tomada pelo Kremlin possui precedentes. Em setembro de 2021, Google e Apple foram obrigadas a retirar conteúdos a respeito de Alexei Navalny, opositor do presidente russo. Com a recusa, ambas foram multadas em US$ 125 milhões, acusadas de propagar conteúdo considerado ilegal.
A medida entra em vigor durante a guerra na Ucrânia e a escalada das sanções internacionais contra Moscou. A resolução obriga que as plataformas de streaming com mais de 100 mil usuários diários ativos transmitam o sinal de 20 estações de televisão estatal (ou alinhadas com o governo local), entre elas o Channel One, NTV e um administrado pela Igreja Ortodoxa Russa, conforme apurou o jornal Moscow Times.
Analistas apontam que esta medida seria uma forma do governo de Vladimir Putin impulsionar sua propaganda, atingindo espectadores que já não consumam a TV tradicional. O canal Channel One é intimamente ligado ao Kremlin, sendo quase a totalidade de seu conselho formada por políticos aliados a Putin, como Sergey Naryshkin e Alexei Gromov, primeiro vice-chefe de gabinete do presidente russo.
A Netflix não forneceu números exatos, mas a estimativa é que sua base de assinantes na Rússia seja algo próximo a 1 milhão.
Netflix recusará exibir canais

Analistas apontam que esta medida seria uma forma do governo de Vladimir Putin impulsionar sua propaganda, atingindo espectadores que já não consumam a TV tradicional.
Ontem, a gigante americana anunciou, através de um comunicado oficial enviado à imprensa, que não cumprirá as novas regras estabelecidas pelo Roskomnadzor. “Dada a situação atual, não temos planos de adicionar esses canais ao nosso serviço”, dizia o comunicado emitido no fim da noite no horário local.
A empresa firmou recentemente uma parceria milionária com a empresa russa National Media Group (NMG), holding privada do setor de mídia criada em 2008, para a realização de conteúdos produzidos na Rússia, entre eles a série dramática Anna K, versão contemporânea de Anna Karenina, de Tolstói.
A parceria, considerada à época como um divisor de águas no oferecimento de conteúdo estrangeiro na Rússia, é posta agora em xeque, já que a NMG possui 20% do capital da Channel One. Caso seja obrigada a encerrar seus serviços na Rússia, a Netflix ampliará o número de lugares em que não oferece programação, como a China, Coreia do Norte e Síria.
Concorrentes não serão afetados pela medida

Também disponíveis na Rússia, streamers como Amazon Prime Video, HBO Max e Disney+ não serão afetados pela resolução do Roskomnadzor. No caso do Prime Video, a marca de Jeff Bezos não atende aos requisitos mínimos de assinantes para ser enquadrada como serviço audiovisual.
Já a HBO Max fechou acordo exclusivo com um serviço russo de streaming, o Amediateka, para que ele passe a exibir as produções da HBO em sua plataforma. Enquanto isso, a Disney+ não está disponível em todo o país, possuindo uma base incipiente de assinantes.
Netflix alega perseguição

Desde 2016, a Netflix enfrenta sérios problemas com o governo russo. Em certa ocasião, o ex-ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, afirmou que a gigante do streaming seria um instrumento de dominação norte-americano, sendo a maneira da Casa Branca “entrar em todas as casas”.
Vale lembrar que, no fim do ano passado, o Ministério do Interior da Rússia passou a investigar uma denúncia feita pela comissária pública de proteção às famílias. De acordo com o documento apresentado por Olga Baranets, a Netflix estaria disseminando “propaganda gay” ao oferecer conteúdo com cenas de “relações sexuais não tradicionais”.
A denúncia segue sendo investigada e, caso o órgão constate que as leis russas foram violadas, a empresa pode ser multada ou ter sua autorização de serviço suspensa. O que, com a recusa em transmitir as emissoras estatais, pode acontecer ainda esta semana.
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