As últimas semanas têm sido de Xuxa na televisão. Ela tem aparecido frequentemente nas mídias – em parte, por conta do lançamento de sua autobiografia, Memórias, e de um livro infantil intitulado Maya: Bebê Arco-Íris, sobre uma menina filha de duas mães. Por consequência, a apresentadora tornou-se uma recente habituée dos programas televisivos. Para espanto de muitos, que testemunharam boatos sobre um mal rompimento com a Globo, em 2014, Xuxa esteve recentemente no Fantástico, programa no qual concedeu uma longa entrevista de 15 minutos à jornalista Renata Ceribelli.
A entrevista repercutiu bastante – afinal, Xuxa configura, independente do que esteja fazendo, uma das figuras do panteão das grandes estrelas televisivas, cujas vidas parecem interessar a todos os “mortais”. Esteja por cima ou por baixo, no ar ou fora da TV, Xuxa é (e provavelmente sempre será) tema de curiosidade alheia, de bisbilhotice coletiva. Por isso, chama a atenção que esta entrevista não apenas seja concedida a um programa de sua antiga casa, a Globo (onde também participou recentemente do Lady Night, de Tatá Werneck, no canal Multishow), mas sim que ela configure claramente como uma tentativa de situar nas mídias uma “nova Xuxa”, mais atualizada com as demandas atuais e precavida quanto a uma patrulha em cima de tudo aquilo que falar.
Nos 15 minutos de encontro (virtual) com Renata Ceribelli, Xuxa mostrou sua casa, falou do livro, da bebê e das amigas que inspiraram a história – oportunamente, posicionando-se a favor da inclusão e da diversidade sexual em um país envolto por discursos intolerantes. Não podemos, portanto, acusar Xuxa de não se posicionar sobre uma questão relevante, e vale lembrar que sua opinião certamente se relaciona com o público que a idolatra e mantém sua importância na mídia.
A nova postura de Xuxa tenta fazer uma espécie de rebranding na apresentadora, tentando separá-la da figura intocável da Rainha dos Baixinhos e transicioná-la para um ser humano falho, que assume sua idade, sua trajetória e suas posições.
Mais adiante na entrevista, Xuxa toca finalmente em assuntos que sempre foram caros a ela, ao longo de tantas décadas de carreira como apresentadora infantil. Ela fala de forma franca sobre o relacionamento com o Pelé e o preconceito que sofreu desde que começou a trabalhar como modelo, no início dos anos 80. Fala sobre como as paquitas e todo o “universo loiro” constituído em torno de Xuxa podem ter acarretado em uma padronização estética que oprimiu milhares de crianças, sobretudo meninas. Alega ter sido ferramenta de um sistema e que, na verdade, seu desejo era que as cobiçadas paquitas fossem mais heterogêneas (as meninas que viravam assistentes de palco da Xuxa tinham que pintar seu cabelo de loiro).

E, por fim, Xuxa aborda a questão da qual sempre fugiu e se tornou uma espécie de calcanhar de Aquiles dela: a participação no filme Amor estranho amor, dirigido por Walter Hugo Khouri em 1982. Por muitos anos, Xuxa deteve os direitos sobre a obra (onde aparece nua em uma cena sexual com um menor de idade) e proibiu que o filme fosse exibido publicamente – o que, obviamente, criou uma sensação de censura e uma curiosidade em torno do filme que talvez ele não despertasse por si mesmo. Xuxa, quase quarenta depois da produção desse filme, virou a página: convida agora que todos assistam ao filme, destaca sua qualidade estética, fala que ele traz uma denúncia sobre exploração infantil e bate na tecla que é “apenas ficção”.
Bastante elogiada nas redes, a nova postura de Xuxa, consolidada por essa entrevista, tenta fazer uma espécie de rebranding na apresentadora, tentando separá-la da figura intocável da Rainha dos Baixinhos e transicioná-la para um ser humano falho, que assume sua idade, sua trajetória e suas posições. Em alguma medida, ela abre espaço para a consolidação de um novo público, desconectado da sua “era de ouro” no Xou da Xuxa, e que pode agora ser capaz de fruir do seu carisma e de seu talento indiscutível como apresentadora. Ao se afastar do culto organizado por seu fandom, Xuxa finalmente dá um passo a favor de seu crescimento enquanto profissional – algo que ela não conseguiu na Record.
Ainda que soe um tanto como media training, ou seja, um discurso controlado por assessores de imprensa que tentam minimizar danos (especialmente a nova fala em torno do filme proibido, uma vez que o reforço do “assistam ao filme” e “é só ficção” foi repetido por ela em outras entrevistas), é bastante inspirador vê-la, por fim, disposta a sair de sua persona consagrada e arriscar novos voos. Se até Xuxa é capaz de assumir-se humana (coisa que o apresentador Gugu, que nunca assumiu sua homossexualidade em vida, não pode fazer), é um sinal dos tempos não apenas em relação a ela, mas também diz muito a respeito dos seus espectadores.