Já vou logo avisando: diferentemente do surto que tomou conta das pessoas após elas assistirem a Years and Years, eu não achei a minissérie britânica tudo isso. Aliás, a achei mais mediana do que boa. Às vezes quase ruim. Dito isso, podemos separar a distopia entre o que ela quer dizer e o que de fato mostra. A ideia é, de fato, assustadora. A execução, porém, um pouco problemática.
Criada por Russell T. Davies (A Very English Scandal, Doctor Who), Years and Years foi exibida originalmente pelo canal BBC One e distribuída mundialmente pela HBO. À medida em que o Reino Unido é sacudido com instáveis avanços políticos, econômicos e tecnológicos, nós acompanhamos a família Lyons enquanto suas vidas convergem a uma noite crucial em 2019, que muda o futuro não só deles, mas de boa parte do mundo. Então, pelos próximos 15 anos, as reviravoltas do cenário mundial influenciam o cotidiano dessa família.
A ideia da série é aumentar a realidade de agora tendo como ponto de vista um futuro absolutamente pessimista e possível. Vemos, então, a nocividade causada pela era Trump e seu populismo barato, as consequências das mudanças climáticas — em que agora temos meses de chuvas ininterruptas —, ou o avanço da tecnologia, que diferentemente da visão de Black Mirror, apresenta um futuro um pouco mais brando e nada muito futurístico, mas não menos perturbador. A série chega até a teorizar que, no futuro, teremos apagões e quedas de energia e isso fará a popularidade do papel aumentar, obrigando que gente volte a ler jornais impressos ou livros, pois são menos suscetíveis a panes tecnológicas.

Na minissérie, Trump não apenas é reeleito em 2020, como lança um míssil nuclear em uma ilha fictícia da China, montando operações militares na base ocupada. A Rússia assume a Ucrânia à força. Há um colapso no mercado de ações e nos bancos, o que faz todo mundo perder o dinheiro guardado. A tecnologia agora permite que humanos virem “trans-humanos”, para viver digitalmente e para sempre. As florestas tropicais acabaram, o Pólo Norte derreteu e, tal como agora, ninguém parece dar a mínima para nada isso. A vida continua.
São diálogos expositivos que parecem interessantes, mas logo depois começam a ficar constrangedores.
A grande sacada da série é colocar uma lupa nos pequenos/grandes absurdos que vemos hoje, aumentá-los e mostrar o que será daqui para frente se nós não acordarmos. Aliás, ninguém acorda. O desafio é fazer isso de maneira natural, sem parecer uma palestra ou panfleto. Os problemas começam aqui. Embora os roteiristas consigam fazer isso bem em alguns momentos da minissérie, na maioria das vezes somos obrigados a ver aqueles diversos personagens tergiversando sobre as mudanças no mundo, sem que de fato nós vejamos essas mudanças. São diálogos expositivos que, no início, parecem interessantes, mas logo depois começam a ficar constrangedores. Afinal, quem fala daquele jeito?
Os personagens, na maioria das vezes, são extremamente irritantes. Agem de uma forma um tanto quanto idiota, gritam, e cada um deles parece representar uma camada da sociedade atual. Stephen (Rory Kinnear) é um banqueiro que pensa nos interesses dos empresários; Rosie (Ruth Madeley) é uma mãe solteira cansada do establishment, o que a faz ver com bons olhos a ascensão de popularidade de Rook (Emma Thompson), a versão feminina de Donald Trump; Edith (Jessica Hynesé) é a ativista que está tentando mudar o mundo; Muriel (Anne Reid) representa a geração passada que se lembra de tempos mais estáveis e mais fáceis de viver; Bethany (Lydia West) é a típica millennial, que se esconde por trás de filtros de cachorrinhos e deseja levar uma vida digital. Essa, aliás, é a personagem mais insuportável de todas. Temos outros, como Daniel (Russel Tovey) e Viktor (Maxim Baldry), casal de maior destaque e responsável pelo episódio mais triste da minissérie, assim como Celeste (T’Nia Miller), que engorda a narrativa, mas não é lá muito interessante.

Quem rouba a cena de fato é Emma Thompson e sua Rook. Personificando todos típicos Bolsonaros e Trumps do mundo, Rooky acaba sendo uma personagem bem construída ao mostrar na tela como um autoritário consegue chegar ao poder sendo popular e falsamente democrático.
Mesmo exibindo um futuro para lá de assustador, Years and Years faz isso mostrando personagens nos dizendo como o futuro será assustador, estratégia perigosa e que quebra a imersão. É interessante colocar o público para ver uma narrativa que mais parece um turbilhão de informações e notícias, tal como ocorre hoje em dia, mas quando a série faz isso de maneira nervosa demais, tudo soa um tanto quanto confuso, expositivo. Talvez o problema seja comigo, claro, mas não consegui me conectar com aquelas histórias. E se o futuro for mesmo daquele jeito, espero não ter que conviver com aquela família insuportável.