Recentemente, ouvi um excelente episódio do podcast Vida de Jornalista, realizado pelo jornalista Rodrigo Alves. Em “Fabiana Moraes e os álbuns de família”, o podcast constrói um perfil da jornalista Fabiana Moraes, uma das importantes jornalistas e pesquisadoras da profissão hoje no Brasil.
Durante a conversa com Rodrigo Alves, Fabiana levanta várias discussões interessantes sobre a identidade dos jornalistas e sobre as formas pelas quais nós nos enxergamos enquanto profissionais. Historicamente, os jornalistas costumaram se ver como sujeitos alheios aos impactos que trazem à vida das pessoas e que conseguem se situar de forma neutra perante a realidade – daí o tal mito da objetividade, que hoje é muito analisado (e contestado) a partir de vários vieses.
O fato é que o jornalismo, em seu estereótipo, é uma profissão coletivamente idealizada.
O fato é que o jornalismo, em seu estereótipo, é uma profissão coletivamente idealizada. Para os que desejam seguir este caminho, há a promessa de uma vida repleta de aventuras (vide, por exemplo, a trajetória de Gloria Maria e outros jornalistas que viajam muito) e a proximidade a um certo discurso “politicamente correto” que os próprios profissionais gostam de projetar. Afinal, o clichê mais fundamental no sonho dos estudantes de jornalismo é a ideia de “mudar o mundo” – o que, por vezes, invisibiliza como um todo as estranhas (bem complexas e por vezes sujas) do fazer jornalístico.
Boa parte dessa idealização tem a ver com a forma com que a ficção projeta representações – por vezes bem falhas – sobre os jornalistas. Neste texto, trazemos 5 séries que colocam algum elemento a mais nessa visão coletiva que se tem sobre os repórteres.
1. Alex Levy e Bradley Jackson em ‘The Morning Show’
A série The Morning Show acompanha a rotina, repleta de escândalos, de um programa de TV americano que mistura jornalismo e elementos de entretenimento – algo entre um Jornal Hoje e o É de Casa. Há muitos apresentadores, jornalistas e editores entre os personagens, mas destaco aqui duas profissionais: Alex Levy, papel de Jennifer Aniston, e Bradley Jackson, vivida por Reese Whiterspoon.
Ambas são apresentadoras de telejornal, e são desenhadas pelo roteiro para que identifiquem dois opostos de um mesmo estereótipo. Em uma ponta, está Alex Levy, uma profissional familiarizada dentro da casa das pessoas há anos e que representa um certo ideal de jornalista que consolidou a carreira apenas como apresentadora (não se sabe muito sobre ela enquanto repórter, por exemplo). Ela é linda, impecável, e tem uma vida perfeita (apenas na superfície, claro), e parece ser capaz de fechar qualquer negócio para se manter no seu lugar da fama. Uma possível equivalente aqui no Brasil seria Patrícia Poeta.
Já Bradley Jackson representa um outro oposto, que é o da “repórter raiz”, a pessoa que ingressa na profissão puramente por seu amor à verdade (ideia bastante complexa) e que valoriza mais o trabalho que a vida pessoal. Ela é idealista, desbocada, brigona, e acaba parando no maior programa matinal dos Estados Unidos simplesmente por conta de seu talento e competência. Um clichê, é claro.
2. Kate Welderson em ‘Great News’
A comédia é sempre um terreno maravilhoso para dizer o que se pensa de uma forma mais “azeitada” e, por isso, mais palatável. A despretensiosa Great News, com a marca de Tina Fey, é uma pequena pérola presente na Netflix que acompanha a produção tresloucada de um programa televisivo.
A protagonista, Kate Welderson (Briga Heeland), é uma produtora de telejornal – o que em si, já é uma inovação interessante, uma vez que dificilmente esses profissionais, que ficam nos bastidores, são abordados pela ficção. Contudo, ela tem ambições de “subir” na profissão, tornando-se repórter – infelizmente, fortalecendo a ideia de que todos os bons jornalistas são aqueles que se expõem ao público, e não os que “operam” a máquina da reportagem.
Sua vida se torna mais difícil quando, meio por acaso, sua mãe (papel de Andrea Martin) vira estagiária no programa. Sob o pretexto do humor, acaba-se carregando uma ideia de que o fazer jornalístico pode ser feito – de maneira atropelada – por qualquer um.
3. Dan Velázquez em ‘Iluminadas’
Iluminadas, da Apple TV, é um thriller que tem o jornalismo como pano de fundo, uma vez que toda a ação é iniciada por conta da investigação de um jornal. O personagem Dan Velázquez, de Wagner Moura, também se situa em um dos estereótipos mais clássicos da profissão: o do repórter vida loca, de personalidade descontrolada e sempre propenso a cair na esbórnia. Inclusive, há o lugar comum de um profissional cuja família se desintegrou por conta de seu estilo de vida.
Boa parte do seu trabalho é prejudicado porque Dan tem uma espécie de alcoolismo latente em que simplesmente apaga quando entra em bares, o que faz com que perca a credibilidade na redação. Há também mais um clichê aqui: o do jornalista super talentoso que, mesmo que seus excessos prejudiquem os colegas e o próprio veículo, sempre encontra alguém disposto a lhe dar mais uma chance – o que, no mercado de trabalho real, seria bem improvável de acontecer.
4. Robin Scherbatsky, de ‘How I Met Your Mother’
Os fãs da série de comédia How I Met Your Mother talvez nunca tenham prestado muita atenção, mas há uma crítica ferrenha ao jornalismo televisivo na personagem Robin Scherbatsky, vivida pela atriz canadense Colbie Smulders. Ela é uma repórter que tenta o tempo inteiro fazer matérias relevantes, mas é sempre engolida por um noticiário de amenidades, em que precisa cobrir as pautas mais idiotas possíveis.
Contudo, a discussão da série sobre o jornalismo não vai além disso e não há grande desenvolvimento de Robin Scherbatsky neste aspecto. De fato, um olhar mais atento sobre How I Met Your Mother mostra que a identidade de Robin é trabalhada muito mais no fato de ela ser canadense (há muitas piadas sobre essa tensão entre Canadá e Estados Unidos) do que por ser jornalista, que é apenas um detalhe. E jornalismo, segundo a narrativa da série, seria uma profissão falida.
5. Trent Crimm em ‘Ted Lasso’
Por fim, menciono uma série em curso e um interessante personagem de pouco destaque, mas que tem se popularizado entre os fãs. Em Ted Lasso, o repórter Trent Crimm (papel de James Lance) é o setorista que cobre o clube Richmond. Ele é cool e meio intimidador – daqueles jornalistas de poucas palavras, mas que sempre fazem a melhor pergunta para desmontar o entrevistado.
Na segunda temporada, o personagem de Trent Crimm se complexifica. Ele é designado pelo jornal The Independent para fazer um livro reportagem sobre o time inglês e, a partir de então, torna-se uma espécie de “mosquinha” onipresente no centro de treinamento – quase como se fosse invisível e estivesse ali vendo tudo para contar depois (faz lembrar, por exemplo, das técnicas usadas por jornalistas como Tom Wolfe e Gay Talese para realizar suas reportagens).
Ainda assim, Trent Crimm tem uma participação importante na assunção da homossexualidade de um dos personagens da trama. Sua representação muito discreta torna-o um dos jornalistas mais instigantes feitos para a ficção. Resta ver como será o livro que ele vai publicar.
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