Extermínio 3: A Evolução marca o reencontro de Danny Boyle e Alex Garland com o universo que ambos ajudaram a construir em Extermínio (no original Extermínio, de 2002), e reconfigura esse imaginário com outras ferramentas e um novo contexto histórico. Mais do que uma continuação tardia, o filme se articula como uma reflexão visual e narrativa sobre o que persiste — ou apodrece — quando o tecido simbólico de uma sociedade é corroído.
A Grã-Bretanha da nova trama é um território devastado, tanto literal quanto metaforicamente. Após décadas da proliferação do vírus que transforma seres humanos em criaturas tomadas por fúria, o país se vê isolado do restante do mundo, que, segundo informa um letreiro inicial, já conseguiu controlar a crise. A metáfora não poderia ser mais explícita: o vírus é britânico, o problema é interno, o colapso é autoinfligido. A alegoria do Brexit emerge com força, mas é apenas uma das camadas de um discurso que questiona o ideal de pureza, a nostalgia como projeto de futuro e os limites éticos da reconstrução.
A ilha onde boa parte da história se passa representa, em miniatura, uma utopia regressiva: autossuficiente, pastoral, sustentada por papéis de gênero rígidos e um ethos de vigilância permanente. Homens forjam flechas, caçam infectados e patrulham os limites do território; mulheres cuidam da casa, das crianças e da “normalidade”. O modo de vida idealizado por esse grupo de sobreviventes é menos um renascimento do que uma tentativa de repetir um passado mitificado. Mas Boyle e Garland são implacáveis: esse paraíso rural logo se revela claustrofóbico, autoritário e emocionalmente exaurido.
Spike, o garoto de 12 anos que protagoniza o filme, é o veículo para essa revelação. Interpretado com precisão por Alfie Williams, ele é empurrado pelo pai (Aaron Taylor-Johnson) à maturidade violenta exigida pelo novo mundo. A mãe (Jodie Comer), doente e à margem da comunidade, representa outra possibilidade de olhar: melancólica, dissociada da lógica da força, ela encarna a lembrança do que foi perdido — ou do que nunca existiu.
A Grã-Bretanha da nova trama é um território devastado, tanto literal quanto metaforicamente. Após décadas da proliferação do vírus que transforma seres humanos em criaturas tomadas por fúria, o país se vê isolado do restante do mundo, que, segundo informa um letreiro inicial, já conseguiu controlar a crise.
Visualmente, Extermínio 3 retoma a força estética do original. Com a fotografia de Anthony Dod Mantle, a paisagem rural britânica se converte em espaço liminar, entre o sublime e o ameaçador. O uso pontual de trechos de noticiários antigos e do filme Henrique V (1944), de Laurence Olivier, acrescenta uma camada de comentário histórico: a Inglaterra heroica do passado, reencenada como teatro de sombras, contrapõe-se à distopia melancólica do presente.
A construção dos infectados também reforça esse deslocamento simbólico. Mais do que monstros, eles são corpos em crise: ora grotescos, ora patéticos, ora ferozes. Boyle sugere que, ao contrário dos humanos isolados na ilha, os infectados ainda preservam alguma forma de integridade — eles não fingem ser outra coisa. A brutalidade do instinto, paradoxalmente, parece menos nociva que a violência justificada pelo desejo de preservar um ideal ultrapassado.
Na reta final, Ralph Fiennes aparece como um personagem excêntrico que altera o tom do filme. Sua performance funciona como anticlímax e também como metáfora: em um mundo em colapso, é a loucura que se torna forma de lucidez. Outra aparição inesperada, carregada de humor e grotesco, confirma que o universo de Extermínio sempre soube rir do próprio desespero.
Apesar da consistência formal e temática, o desfecho do filme opta por um rompimento brusco: explosivo, estilizado, barulhento. A sobriedade dá lugar a uma catarse que quase trai o espírito da obra. Mas é um falso fim. Extermínio 3 é apenas o primeiro capítulo de uma nova trilogia: a sequência já está filmada e será dirigida por Nia DaCosta (Candyman, As Marvels); Boyle retorna para o encerramento.
Com isso, o universo de Extermínio se afirma como mais que uma franquia de zumbis: é uma crônica visual sobre os escombros de uma identidade nacional, sobre a nostalgia como falência e sobre o preço de tentar ressuscitar uma ordem que já estava morta. Os zumbis continuam a correr — mas os monstros são outros.
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