A discussão moral em torno das produções de true crime não é nova — e tampouco mostra sinais de se esgotar. Desde que o gênero explodiu como nicho lucrativo em múltiplas plataformas, paira a dúvida sobre como narrar histórias reais de violência sem desrespeitar as vítimas nem romantizar seus algozes. Pois Tremembé, nova minissérie brasileira original do Prime Video, não apenas ignora esse debate: parece zombar dele.
Desde o primeiro episódio, a produção deixa claro que não está interessada em nuances éticas. Tudo aqui é estilização, brilho e fetiche. As criminosas mais notórias do imaginário recente — Suzane Von Richthofen (Marina Ruy Barbosa), Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato) e Elize Matsunaga (Carol Garcia, a mais convincente do trio) — são apresentadas com freeze-frames e letreiros coloridos, como se estivessem entrando em um reality show. Em vez de introspecção ou reflexão, o que temos são festinhas na cadeia, brigas passionais e, sobretudo, cenas de sexo cuidadosamente coreografadas.
A série parece empenhada em transformar cada encontro entre as detentas (e detentos) em espetáculo erótico — a sexualização dos corpos é explícita e, em muitos momentos, gratuita. Tudo, absolutamente tudo, vira pretexto para a inserção de sequências quentes, tratadas como chamariz de público. Não há interesse em explorar as relações de poder ou a psicologia dessas mulheres; há, sim, o desejo de provocar e de vender.
Essa escolha faz de Tremembé uma espécie de versão tupiniquim — e meio SBT — de Orange Is the New Black. A diferença é que, enquanto a série estadunidense conseguia equilibrar crítica social e humor ácido, a brasileira mergulha de cabeça no sensacionalismo. As personagens são cifradas como caricaturas de si mesmas: a loira calculista, a manipuladora, a vítima sexy. A penitenciária vira um playground de estereótipos.
Essa escolha faz de Tremembé uma espécie de versão tupiniquim — e meio SBT — de Orange Is the New Black.
Vera Egito (de Amores Urbanos e A Batalha da Rua Maria Antônia) e Daniel Lieff dirigem com energia, mantendo o ritmo pop do texto e apostando em uma trilha sonora que beira o kitsch — “Perigosa”, clássico das Frenéticas, embala as manipulações de Suzane, e o tom quase cômico da cena é um sintoma da abordagem escolhida. Não há como levar a sério uma série criminal em que tudo soa como paródia de si mesmo.
Mas talvez seja esse o ponto: Tremembé não quer ser levada a sério. É true crime em sua forma mais rasa, que transforma o horror real em produto de entretenimento descartável. Diante desse desapego, resta ao espectador decidir se embarca no jogo — ou se recusa a participar de um espetáculo que banaliza a tragédia.
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