“[Quando éramos adolescentes], uma de nossas amigas, a mais velha da escola, nos comprou álcool. [Ela] não era a melhor influência. Mas quem realmente era? Fomos todos almas perdidas.” É com esta frase que Hannah Mohan, Rebecca Lasaponaro, Megan Miller e Taliana Katz dão início a um papo descontraído sobre sua banda, And The Kids.
Se a infância costuma ser um porto seguro para todos os seres humanos, é nas amizades que encontramos o refúgio para encarar crescer e ser um adulto. E no caso delas, isso faz ainda mais sentido. Uma das mais aclamadas bandas da nova cena indie norte-americana, a And the Kids fez um dos shows mais procurados no último SXSW, em Austin, no último mês de março.
Até aquele momento o grupo ainda tinha apenas um disco, o redondo e criativo Turn to Each Other, lançado em 2015. O disco tem momentos em que o grupo não apenas brilha, mas consegue fazer um indie realmente instigante, belo e divertido, ainda que seja inegável que com uma carga emocional excessivamente juvenil em alguns instantes. Puxando a carruagem, “All Day All Night” não é apenas a melhor faixa do disco, como o grande hit da banda, que ainda carregava “Glory Glory” e “Secret Makeout Factory” como boas escudeiras.
O que soava como grande desafio ao grupo era a delicadeza das notas vocais de Hannah e dos riffs do restante do grupo, uma roupagem bem característica do bubblegum pop, uma versão repaginada da Josie and the Pussycats: afinal, como isso soaria dali em diante? Onde encontrariam formas de dar vazão à sua originalidade, não desmanchando o brilho indie, mas acrescentando substância?
Pois toda dúvida sumiu no último dia 3 de junho, quando a And the Kids lançou seu segundo álbum, Friends Share Lovers. Menos bubblegum e mais experimental. Mas não foi apenas isso. Taliana se juntou ao grupo, assumindo a função de baixista. “Essa é uma diferença física. Mas existem diferenças sonoras óbvias também. Nós experimentamos mais um monte de efeitos no novo álbum”, explica Hannah.
E essa experimentação deu muito certo. Seria um exagero dizer que se trata de outra banda, mas houve um amadurecimento sonoro evidente, com os sintatizadores fazendo muito mais sentido dentro dos arranjos do disco, e o mesmo vale para a guitarra, que ganha um intrigante reverb em algumas das canções, aproximando o som de um indie mais oitentista, sujo, propositalmente caótico, imprevisível e nada normativo. Em “Picture”, o grupo despeja uma harmonia formada pela união de riffs e paisagens sonoras que alimentam uma forte carga de tensão.
“Nós queríamos experimentar mais e ser mais livres”, afirma Hannah. Aliás, liberdade e amizade são, definitivamente, marcas deste novo disco – e do momento do grupo. Megan, que é canadense, foi deportada dos Estados Unidos e precisa esperar por cinco anos – Taliana . Com isso, o grupo precisou fazer várias viagens para poder gravar o álbum. Apesar do obstáculo, a And the Kids se uniu mais ainda, mostrando como o diálogo com a música é algo universal. “Toda música é cura. Não importa do que se trata ou de qual gênero, alguém lá fora vai ser realmente tocado”, contam as artistas. “Pensamos que o diálogo é, possivelmente, descobrirmos como curar e alcançar mais pessoas através da música”.
SER UMA BANDA NOS ESTADOS UNIDOS
Invariavelmente, pensamos que o fato de estar nos Estados Unidos ou na Europa torna a vida de quem se aventura no mundo da música uma viagem muito mais tranquila. Ledo engano. E não é só a questão do visto para Megan: lá como aqui, o buraco é muito mais embaixo.
“Infelizmente, um monte de coisas na indústria da música gira em torno de dinheiro. Então eu acho que um grande obstáculo para os artistas independentes é espaço na mídia”, contam.
E viver exclusivamente de música, bem, também não é como idealizamos que seja por lá. “É uma coisa realmente difícil largar o trabalho e apenas fazer música. Sobra tempo para praticar e sair em turnê, mas você não consegue dinheiro para manter uma casa”, afirma o quarteto. Por sinal, é na família que as integrantes da And the Kids encontram apoio para seguir fazendo seus acordes por aí. “Foi fundamental ter famílias que nos apoiam e acreditam no que fazemos”, finalizam.
Fica a torcida para que, além de Megan ter seu problema resolvido, elas possam cruzar nossos caminhos no Brasil. Segundo as garotas, “desde que a Megan foi deportada temos ficado animadas em tocar em qualquer outro país”, de forma a encontrar a amiga e companheira de banda. “Se alguém ou algum festival conseguisse nos levar, nós tocaríamos no Brasil em um piscar de olhos”. Aos produtores, fica a dica.
NO RADAR | And the Kids
Onde: Northampton, Estados Unidos.
Quando: 2011
Contatos: Facebook | Bandcamp | YouTube | Instagram | Twitter
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