Encontro um velho amigo na rua e nos cumprimentamos como se ainda estivéssemos na oitava série:
– Daê filadaputa!
– Fala pau no cu!
Então segue-se um diálogo desses meio vazios que a gente usa pra tapar o buraco deixado pela constrangedora falta de intimidade diante de quem um dia já fomos próximos, mas que agora, você sabe, cada um foi por um caminho diferente, agora ele posta umas coisas ridículas no Facebook, etc.
Mas o que importa aqui é a troca de palavrões. Típica entre a piazada, sinal de camaradagem e, vá lá, de certa imaturidade. Veja bem, ninguém está a chamar a mãe do outro de puta. É como “tudo bem?”, não é realmente uma pergunta, é só uma forma de cumprimento (ignoro aqui o palavrão de uso bélico, o do trânsito e do estádio de futebol).
Quando adultos, já não nos é permitido o uso indiscriminado do palavrão camarada. Não posso chamar meu chefe de filho da puta no início de uma reunião. Na verdade até posso, mas ele provavelmente deixará de ser o meu chefe e no dia seguinte estarei na fila da agência do trabalhador.
Mas a verdade é que não se pode substituir o palavrão. Se a palavra é trocada, muda-se não só o significado, mas também o tipo de relação entre os interlocutores, sua intenção, sua leitura, aquilo que tem dentro da casca.
Só cumprimento com palavrão os amigos mais íntimos, “ô lazarento, beleza?”. Se chamo alguém de retardado, provavelmente gosto em algum nível desse alguém. No palavreado desbocado, há todo um histórico de uma relação construída a partir de diversas experiências em comum. E mesmo assim nem usamos os palavrões em todos os lugares, pois no fundo quem manda mesmo é sempre o teatrinho do protocolo, criado na Grécia antiga pela deusa Glorinha Kalil.
O lado bom dessas regras é que assim a gente consegue fingir que é gente, que não somos assim tão primitivos e repulsivos, olha aí a gente até sabe se comportar: “Boa tarde, caros colegas”.
Mas a verdade é que não se pode substituir o palavrão. Se a palavra é trocada, muda-se não só o significado, mas também o tipo de relação entre os interlocutores, sua intenção, sua leitura, aquilo que tem dentro da casca.
Quando um grande escritor, um Philip Roth da vida, solta um palavrão no meio de uma frase bem lapidadinha, de certo que ela soa até elegante já que há um consenso de que tudo bem um gênio escrever bosta (a palavra bosta, no caso).
Já o adolescente tem o benefício do tempo. Um vocabulário meio imundo pode até ser inconveniente, mas é o que se espera dele, pois sabe-se que depois de um tempo o adolescente vira gente na marra e entra no mesmo teatro verbal que o dos adultos.
Enfim, não é que a gente fique menos boca suja, é o tempo que vai devorando nossas palavras. Tempo filho da puta.