Elis Regina é uma personagem complexa de nossa história e uma das intérpretes e artistas mais completas da música brasileira. Voz e personalidade inconfundíveis, temperamento explosivo dentro e fora dos palcos. Não seria tarefa fácil transpô-la às telas do cinema, e talvez tenha sido esta a razão de haver demorado quase 35 anos até que isto acontecesse.
Para nossa infelicidade, Elis, filme de Hugo Prata sobre a cantora gaúcha, em cartaz nos cinemas brasileiros desde 24 de novembro, não está à altura da grande cantora e mulher que foi Elis Regina. O diretor, que também assina o roteiro em parceria com Luiz Bolognesi e Vera Egito, opta por contar toda a trajetória de vida da cantora, desde sua saída do Rio Grande do Sul até sua morte, o que mostrou-se uma escolha pouco acertada.
A vida de Elis foi marcada por inúmeras reviravoltas, tanto no lado profissional quanto no pessoal, tornando uma tarefa ingrata tentar reduzir os acontecimento às duas horas de duração do longa-metragem. Elis acaba resultando em uma obra conservadora, ainda que Andreia Horta seja uma excelente atriz e a direção de fotografia de Adrian Teijido esteja fenomenal.
A quantidade de informações sobre a riquíssima biografia de Elis foi condensada ao máximo, não havendo espaço para retratar com a complexidade necessária cada capítulo de sua vida. O filme por vezes se assemelha a uma apresentação de trabalho acadêmico, em que muita informação está disposta em tópicos, sendo cada um deles abordado como em uma lista de checagem, onde se confere se foram citados, mesmo que sem grande destaque ou profundidade, de maneira quase protocolar.
O filme por vezes se assemelha a uma apresentação de trabalho acadêmico, em que muita informação está disposta em tópicos, sendo cada um deles abordado como em uma lista de checagem.
Fica clara a opção de Hugo Prata em tornar Elis um filme mais palatável ao público médio, acostumado às produções televisivas com roteiros mais rasos, menos densos. Mesmo que Andreia Horta guarde semelhanças com a cantora e que seja muito talentosa, nas mãos de Prata a atriz é conduzida a uma atuação exagerada, quase caricata da “Pimentinha”. Sobram sorrisos e gesticulações com os braços, mas parecem pouco naturais e mais como um exercício do diretor em criar uma obra que guie o espectador por um túnel de emoções pré-definidas.
As lindas músicas interpretadas por Elis Regina ao longo de sua carreira constroem uma trilha sonora repleta de saudosismo, entretanto, são utilizadas ao longo do filme de maneira clichê, associando suas canções mais sofridas a sequências em que ela passava por alguma espécie de conflito, e as mais alegres em momentos que Elis estava efusiva. É bem clara a intenção de Prata em criar comoção no público, inclusive abusando de closes para evidenciar as semelhanças entre Andreia e Elis, como se aparência e atuação não guardassem uma mesma importância.
Essa roupagem mais branda elimina a riqueza, a força e importância de passagens da vida da cantora: sua ascensão; a amizade com Jair Rodrigues, apresentado apenas como o companheiro de “O Fino da Bossa” de forma expressa – até o programa, que durou cerca de três anos no ar, não mereceu mais que três minutos de tela; suas relações com Ronaldo Bôscoli e César Mariano, que começam e terminam quase como se não tivessem relevância; o problema com a bebida e drogas, um recorte pouco presente na película; seus conflitos com a ditadura; sem falar em Milton Nascimento, grande amigo de Elis que não aparece e mal é citado no longa-metragem de Prata.
No fim, Elis apresenta a “Pimentinha” mais como uma mulher teimosa e passiva, bem longe da genial artista que o Brasil conheceu. Do elenco, ao menos Caco Ciocler e Lúcio Mauro Filho entregam boas atuações, mas muito pouco para um filme sobre uma personagem tão ímpar. Fica a sensação de que o Elis pode representar qualquer artista, menos Elis Regina. Uma pena.
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