Puta friaca – essa era a única forma de definir aquela noite. Levantou, pegou mais um cobertor, colocou sobre os outros e deitou novamente.
– Tá maluco, Eugênio?
– Tô com frio, Gorete. Muito frio.
– A gente vai morrer esmagado debaixo de tanto cobertor. Quantos têm aqui, uns cinco?
– Esmagados, talvez. Mas vamos morrer quentinhos.
Virou para o outro lado. Virou novamente. E mais uma vez.
– Mas, homem do céu, fica difícil dormir assim. Para quieto!
– Eu não aguento mais! Tá muito frio!
– Vai, levanta.
– Levantar por quê? Vai ficar ainda mais frio.
– Pra eu passar o ferro na cama.
– Que ferro?
– O ferro de passar roupa, ué! Pelo menos esquenta.
– Tá bom.
Passou o ferro na cama toda. Deitaram novamente, no quentinho. Por alguns minutos.
– A gente vai morrer esmagado debaixo de tanto cobertor. Quantos têm aqui, uns cinco?
– Esmagados, talvez. Mas vamos morrer quentinhos.
– Eugênio…
– Quê?
– Já esfriou de novo, né?
– Meu pé já congelou.
– Vem mais pra perto de mim, se a gente dormir abraçado fica mais fácil de se esquentar.
– Você sabe que eu não acho confortável.
– Tá confortável aí, tentando dormir na água que o Titanic afundou?
– Vai logo, vem cá.
Se encostaram.
– Mas de jeito nenhum que eu vou ficar abraçada com você!
– Ah, agora voltou atrás?
– Você tá mais gelado que eu! Pelo amor do nosso Senhor!
– Falou a quentona!
Se afastaram. Um tempinho depois, ela levantou.
– Eu não tô aguentando!
– E vai fazer o quê?
– Uma fogueira.
– Claro.
Saiu do quarto. Eugênio ouviu uma barulheira na sala, sem saber o que estava acontecendo.
Ela voltou para o quarto e começou a jogar pedaços de madeira no chão.
– Gorete!
– Levanta dessa cama e vem me ajudar a acender.
– Tá maluca? O que é isso?
– São as nossas cadeiras. Eram.
– Gorete!
– Vai, levanta e ajuda! Só serve pra acender a churrasqueira?
– A gente não pode acender uma fogueira dentro do quarto.
– Mas vai!
– A gente vai botar fogo na casa!
– Você quer passar frio até de manhã?
– Tô indo. Eu não acredito que eu tô fazendo isso. É insano.
E lá estavam os dois: em pé, no quarto, acendendo o que sobrou das cadeiras da sala. Conseguiram.
– Agora vai!
– Vai. Vai pegar fogo na casa inteira.
– É só um pouquinho. Esquentando o quarto, a gente apaga.
– E não respira mais.
– Para de reclamar e sente o calor. Ó! Que beleza!
– Gorete, esse fogo tá subindo mais do que deveria.
Enquanto ela se realizava de olhos fechados, ele olhava apreensivo. E estava certo: o fogo chegou até a cortina.
– Olha como esquentou o quarto.
– Gorete, a cortina! A cortina!
– Quê?
– A CORTINA TÁ PEGANDO FOGO!
– Ai!
– Pega o extintor!
– A gente não tem.
– A gente não tem extintor?
– Nunca teve.
– Por que a gente não tem esse item básico de segurança?
– Vou encher uns baldes. Afasta todos os móveis de perto da cortina.
– Vai logo.
Saiu do quarto. Voltou em menos de cinco segundos.
– Eugênio…
– CADÊ OS BALDES?
– Eu tava pensando aqui…
– Gorete, não é hora de pensar, é hora de agir!
– E se a gente ligar para os bombeiros?
– Liga, então, mas liga agora! Vamos lá pra fora.
– Não, eu ainda não acabei o meu raciocínio.
– Puta que pariu.
– E se a gente aproveitar, enquanto os bombeiros não chegam, pra se esquentar?
– Quê?
– Olha isso, Eugênio! Sente isso! O quarto tá quente, era tudo o que a gente queria. Vamos aproveitar esse momento, ele vai acabar logo.
– É…
Ficaram se olhando por um tempo. Ele fez que sim com a cabeça.
– Vai ligando aí, tô indo pegar as toalhas.
Voltou com duas toalhas molhadas.
Os dois sentaram juntos de frente para o fogo e colocaram as toalhas no rosto. Fecharam os olhos e sorriram aliviados: estava calor.