A pluralidade, enquanto conceito e tema para se analisar o campo artístico, é uma das circunstâncias mais esperançosas do mundo da arte – ainda que não seja um fator predominante na História da Arte, infelizmente – e se apresenta de maneiras tão distintas que parece apontar ao infinito. As possibilidades de criação, ainda que se situem em limites vários, dentro dos quais cabem muitos outros, são vastas quando pensadas em relação a elementos tais como as metodologias estabelecidas, os materiais de criação, os modos de operação, apresentação, etc. A constatação óbvia que, grosseria e preguiçosamente falando, resulta em: “a arte é plural”, não parece ser tão evidente a algumas esferas (a mais próxima e com maior alcance, cotidianamente, é a do jornalismo massivo – mas não só, deixemos claro!).
A tentativa de que a análise se constitua a partir de uma sistematização é uma forma de ver a produção artística, e consequentemente a própria análise, algo a ser integralmente compreendido, classificado e enquadrado, muitas vezes, em relação à aspectos que antecedem a manifestação em si. É interessante, evidentemente, aos olhos de quem precisa sentir-se dotado de um possível “esclarecimento total” e, talvez por isso, é que seja comum a repetição de trajetos já realizados com êxito. No teatro, por exemplo, são frequentes as considerações que permanecem restritas à iluminação, ao cenário e a elementos cuja visualidade propõe relações mais diretas (suas análises são absolutamente necessárias – tanto o são que se constituem como áreas de conhecimento específicas) que, no entanto, não começam e nem terminam em si mesmos e, bem menos ainda, podem ser vistos sempre de mesma maneira ou de forma descontextualizada. É perigoso e irresponsável o reducionismo porque, não bastando ser utilizado como uma forma de operação, ele se torna um hábito, uma cultura, um ciclo vicioso que se pauta pelo imediatismo e pela aparência, somente.
É perigoso e irresponsável o reducionismo porque, não bastando ser utilizado como uma forma de operação, ele se torna um hábito, uma cultura, um ciclo vicioso que se pauta pelo imediatismo e pela aparência, somente.
Referindo-se à apreensão de alguém que, por alguma razão, ocupa um espaço de transferência, isto é, que assume a função de perpetuar uma obra de arte, produzindo registro outro, me parece coerente uma atitude atrelada à uma pré-disposição a identificação de especificidades. E não me refiro, necessariamente, a especificidades da grande área, um conhecimento especializado de teatro, por exemplo, mas a um processo de questionamento que senão anterior, contínuo ao uso desse conhecimento especializado. “O que promove a singularidade dessa obra? O que, de específico, há nisso?”, são questões que parecem indicar caminhos para uma análise que legitima a pluralidade exatamente por atentar-se à especificidade. Se o reducionismo, como dito, é irresponsável, não o é, por exemplo, o movimento de verticalização ou de recorte capaz de produzir conexões, de se expandir.
Não há como negar que qualquer consideração sobre a obra de arte é constituída, em grande parte, pelos resultados de uma fruição artística individual que, dificilmente, pode ser enquadrada tal qual a maneira pretendida pelas análises reducionistas – ainda que se promova um distanciamento entre “o que se sentiu” e “o que se produziu”. É absolutamente contraproducente um espaço em que se “ensine” algo – como “ver” uma obra de arte, por exemplo.
Nesse sentido, continuando com os materiais do Festival de Teatro de Curitiba, duas peças apresentam circunstâncias que proporcionam um deslocamento tal qual sugeri na introdução do texto, de uma análise que promova provocações, antes mesmo de opiniões explicativas e finais, concretas, fechadas. A peça Lucíola, e não somente a peça em si, mas a mostra do grupo Grutun!, apresenta um ponto no qual acho interessante tocar: a relevância do teatro em um âmbito educacional e de instrução. Uma ótica que promove um retorno a questões fundamentais sobre o teatro e sua importância social. O espetáculo, além de encenar o romance de José de Alencar (uma maneira de tornar acessível a literatura brasileira, em um período em que a leitura de clássicos é forçosa e quase inexistente?), é feito por alunos de graduação, de várias áreas distintas, do Centro Universitário Unibrasil. Alex Wolf, diretor do grupo, ao final da peça, em uma rápida apresentação sobre o grupo e a mostra, se referiu aos atores como “estudantes”, “mas não de Artes Cênicas”, talvez querendo dizer, dessa maneira, algo como “a finalidade é outra”. Seria desonesto encarar um trabalho como esse da mesma maneira com que se faz com uma produção profissional – não porque seja possível hierarquizar o potencial artístico, mas pura e simplesmente em relação ao que se busca como resultado. Os atores-alunos envolvidos, dificilmente encaram aquilo como ofício e prioridade profissional, mas é absolutamente encantador ver o frescor e a espontaneidade existente no contato inicial com o teatro. Ainda que desprovido de questões cuja elaboração se dá em uma trajetória que se revela bastante profunda no fazer-teatral, é evidente a vitalidade empregada ali: se faltam ferramentas, não falta o desejo de edificação. Não há como negar a necessidade de espaços como esse, responsáveis por uma porção de fenômenos necessários dos quais os mais importantes talvez sejam a formação de plateia, a apresentação e a instrumentalização da arte teatral e a criação de uma ponte entre o teatro e certo contexto.
Em uma perspectiva distante a essa, está a peça #SELFservice, apresentada na programação da Mostra de Dramaturgia do SESI – espaço indiscutivelmente relevante, por diversos motivos, para a cidade, do qual certamente voltarei a falar. O ambiente em que as produções do Núcleo de Dramaturgia do SESI acontecem é de pesquisa e experimentação. Há um desejo de encaminhar as encenações a extremidades e radicalizações – pensando, entre tantas coisas, nos limites do teatro. Antes de promover montagens, o Núcleo centrava-se no estudo e desenvolvimento de dramaturgias contemporâneas, e, de alguma maneira, ainda hoje, tem a escrita teatral como um elemento de origem a ser expandido. Na peça em questão, parece ser exatamente esse o movimento proposto: o desenho textual, e de significação, dado pela dramaturgia guia a materialidade vista. Três figuras, providas de certa banalidade, promovem uma trajetória verbal, contínua e espiralada, composta por discursos que propõem uma aproximação entre geografia, território, corpo e questões sociopolíticas. A dramaturgia é estruturada a partir de notícias e materiais textuais de redes sociais. A utilização da comida com efeitos distintos, tais como a compulsão, a constante alusão a morte (muitas delas também produzindo uma relação entre morte-corpo-comida) e a presença de narrativas que expõem realidades distantes, parecem indicar facetas da globalização: é possível, entre tantas coisas, afogar-se e enredar-se na quantidade de informações transferidas a partir de recursos tecnológicos. É verdade que as fronteiras se diluem, as distâncias diminuem e as informações são instantâneas, mas esse caminho pode terminar em colapso, parece indicar a montagem.