Desde 20 de fevereiro de 2014, a homossexualidade é punida de maneira ainda mais severa na Uganda, onde já era oficialmente crime. Agora, em caso de reincidência, pode levar à prisão perpétua. A lei, promulgada pelo presidente Yoweri Museveni, era um projeto que tramitava no parlamento desde 2009 e sofreu diversas represálias de diferentes nações, em especial da ONU (Organização das Nações unidas). A homossexualidade ainda é considerada crime em 72 países no mundo, com penas que variam de reclusão à pena de morte.
Em 2010, o jornal ugandense The Rolling Stone divulgou fotos e nomes de cerca de cem supostos criminosos. A acusação: práticas gays. O periódico também incentivou a perseguição e linchamento dos acusados. Diante deste cenário, o espetáculo O Jornal – The Rolling Stone, texto original de Chris Urch e com tradução de Diego Teza, fala de homossexualidade, família e religião.
Joe (André Luiz Miranda), Dembe (Danilo Ferreira) e Wummie (Indira Nascimento) são três irmãos que após a recente perda do pai tentam reconstruir suas vidas com a ajuda de Mama (Heloísa Jorge) e sua filha (Marcella Gobatti), tendo como alicerce valores morais e culturais extremamente enraizados e, principalmente, apoiando-se na religião.
Joe torna-se reverendo da congregação que frequentam, assumindo também o papel de referência religiosa e moral para a comunidade. Wummie, a caçula, tem de tomar a difícil decisão entre trabalhar para ajudar a família ou estudar. Dembe conhece Sam (Marcos Guian), um médico mestiço, filho de uma ugandesa com um irlandês, que por ter crescido na Europa tem outras convicções morais e é inclusive ateu. Para que os dois possam viver esse amor proibido, o fazem secretamente, mas a patrulha moral constante os atormenta e persegue.
Talvez o ponto mais importante da dramaturgia e direção do espetáculo seja o fato de que a reflexão proposta não é polarizada e simples, com uma dicotomia clara, mas sim uma construção complexa sobre a linha tênue entre tolerar, aceitar e odiar.
De maneira leve e por vezes divertida, a peça, com direção de Kiko Mascarenhas e codireção de Lázaro Ramos, passeia por esses temas que, infelizmente, se fazem tão atuais.
Talvez o ponto mais importante da dramaturgia e direção do espetáculo seja o fato de que a reflexão proposta não é polarizada e simples, com uma dicotomia clara, mas sim uma construção complexa sobre a linha tênue entre tolerar, aceitar e odiar. A percepção do outro parece ter importância apenas enquanto personagem do seu discurso pessoal e moral, mas não cabe a figura do outro no exercício da alteridade. Quando a figura do outro não existe, “aceitar” é mais sobre si do que qualquer outra coisa. E respeitar e tolerar são quase opostos no que tange à deficiência da percepção do próximo e não de si.
O Jornal – The Rolling Stone, em especial pelo dilema do reverendo Joe, trata sobre como regras e crenças culturais e religiosas extremistas podem tornar pessoas boas em assassinos ou incitadores de discursos de ódio na crença de um bem superior.
Em Curitiba, o espetáculo foi apresentado nos dias 2 e 3 de abril no Teatro Guairinha no 27º Festival de Curitiba. Algumas marcações mais distantes do proscênio prejudicaram o entendimento das falas. O cenário de Mauro Vicente Ferreira é bastante simples e trabalha apenas com as cores da madeira: a estrutura de um pequeno barco e uma espécie de caixotes com luzes que servem como bancos. Os figurinos (de Teresa Nabuco) seguem uma paleta bastante coesa. A iluminação (assinada por Paulo César Medeiros) cria com brilhantismo imagens bastante sensíveis.
Apesar de no início do espetáculo a pronúncia e eloquência estarem levemente prejudicadas, tornando difícil a compreensão do texto, merece destaque a construção de Heloísa Jorge. Marcella Gobatti faz também uma representação sutil e ao mesmo tempo grandiosa.