Basta abrir qualquer jornal popular – online ou impresso – para se deparar com uma infinidade de crimes bárbaros, bizarros ou simplesmente impossíveis de entender. A curiosidade mórbida faz parte da natureza humana. Crimes, o livro de estreia do advogado berlinense Ferdinand von Schirach, é um prato cheio para quem se interessa pelos fatos inusitados que rondam assassinatos de gente comum na capital alemã. Os 11 textos que formam o volume são inclassificáveis, tamanha a ousadia do autor em recontar muitos dos casos que defendeu.
Do marido que mata a mulher porque ela não o deixava em paz à reação agressiva de um homem pacato à violência de dois supostos neonazistas, Schirach enreda o leitor em papel manchado de sangue – sem qualquer dose de sensacionalismo. A banalidade do mal está em cada uma das páginas escritas pelo jurista, o que ajuda quebrar a fronteira entre o real e o ficcional.
Schirach enreda o leitor em papel manchado de sangue – sem qualquer dose de sensacionalismo.
Há quase 25 anos trabalhando como advogado criminalista, o autor é um ás da retórica jurídica – o que faz da sua narrativa, por vezes, intrincada ou um pouco artificial. Ao menos, não há juridiquês. No cômputo geral, entretanto, o saldo é positivo.
Crime choca. E não é pela crueza descritiva dos relatos, mas pela fúria capaz de tirar um homem de prumo. Muitos dos contos – vamos chamá-los assim – dariam um bom filme de suspense. É impossível passar incólume à sensação de ojeriza de tudo e de todos. A realidade é mais estranha que a ficção.
O tom novelesco – que bem poderia ter saído dos textos terríveis de Sidney Sheldon ou Danielle Steel, não fossem ambos de qualidade literária risível – demonstra que o absurdo é, sim, mais comum do que se pensa. Os críticos que o compararam a Kafka, claro, exageraram. O checo e o alemão são parecidos apenas na profissão – de resto, o que há é um abismo.
Por outro lado, espanta a qualidade com a qual Ferdinand defende seus clientes. A frieza, que é necessária nesse labor, é sobreposta pela técnica de conduzir o réu para fora da cadeia. Nesse sentido, Crimes é uma obra que chama à reflexão. Não é um livro a ser devorado, mas degustado passo a passo. Quem lê rápido perde muito do que o autor tem a dizer.
É inevitável a comparação entre a justiça alemã e o cenário caótico do judiciário brasileiro. Obviamente, os defendidos por Schirach não são pessoas “do povo”, porém, o que os salva das grades não é o jogo de poder e sim a habilidade com a qual um advogado faz o serviço.
CRIMES | Ferdinand von Schirach
Editora: Record;
Tradução: Roberto Rodrigues;
Tamanho: 176 págs.;
Lançamento: Março, 2011.