Tudo leva a crer que, no próximo domingo, Rami Malik levará o Oscar de melhor ator por seu desempenho como o cantor Freddie Mercury no irregular drama musical Bohemian Rhapsody, indicado em quatro outras categorias, incluindo a de melhor filme. Não é difícil entender por quê.
Além de o longa-metragem sobre a banda britânica Queen ter sido um estrondoso sucesso comercial no mundo todo, acumulando uma renda de US$ 854 milhões de bilheteria, e de o desempenho de Malik impressionar, o roqueiro é um personagem bem mais palatável para o grande público do que o de seu principal concorrente, Christian Bale.
No corrosivo Vice, o astro britânico, já dono de uma estatueta de melhor coadjuvante por O Vencedor (2010), vive com maestria o papel do vilanesco Dick Cheney, vice-presidente dos Estados Unidos durante a gestão de George W. Bush (2001-2009).
Um dos mais brilhantes atores da sua geração, Bale, hoje com 45 anos, vem construindo uma carreira marcada por personagens sombrios, atormentados, que vão do serial killer Patrick Batemen, de Psicopata Americano (2000), ao bilionário Bruce Wayne, na trilogia Batman dirigida por seu conterrâneo Christopher Nolan. Dick Cheney não foge a essa regra: é um anti-herói por excelência, porém tridimensional e nuançado.
Escrito e dirigido por Adam McKay, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por A Grande Aposta (2016), Vice não é uma cinebiografia que pretende enaltecer os feitos de Cheney, hoje aos 78 anos. Longe disso. Também não se rende à tentação de, apesar de ser uma obra progressista, muito crítica aos setores conservadores da política note-americana, reduzir o ex-vice-presidente republicano ao papel de um vilão unidimensional.
Escrito e dirigido por Adam McKay, vendedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por A Grande Aposta (2016), Vice não é uma cinebiografia que pretende enaltecer os feitos de Chaney, hoje com 78 anos.
O ótimo roteiro, potencializado pela edição, que brinca o tempo todo a com a linearidade cronológica, faz de Cheney um protagonista interessantíssimo. Natural do estado de Nebraska, no Meio-oeste dos Estados Unidos, ele é retratado como um americano comum, branco, conservador, cristão e patriota.
Inclinado ao alcoolismo e dono de um temperamento explosivo, ele chega a ser expulso da Universidade de Yale, uma das mais prestigiosas do país, antes de colocar sua vida nos trilhos, que o conduzem a Washington, onde inicia sua carreira política durante o governo de Richard Nixon.
O roteiro bem alinhavado de McKay, cheio de idas e vindas, defende a tese de que Cheney não seria ninguém não fosse sua esposa, a historiadora Lynne Cheney, vivida por uma impecável Amy Adams, indicada ao Oscar de melhor coadjuvante. Ardilosa, calculista, ela é uma Lady Macbeth tão ou mais ambiciosa do que o marido, em citação explícita ao clássico de William Shakespeare.
A sede de poder do Cheney, no entanto, não é retratada de forma maniqueísta em Vice. É comovente, por exemplo, como o político em um momento de ascensão política, resolve recalcular sua rota quando opta por proteger a filha Mary (Allison Pill, de Meia-noite em Paris), saindo de cena. Sabe que a sexualidade da filha será explorada por seus opositores na década de 1990.
Só volta quando George W. Bush, então governador do Texas, o convida para ser seu vice na polêmica eleição de 2000, prometendo lhe dar poder irrestrito em áreas estratégicas como política externa, energia e defesa. Sem saber que, em 2001, enfrentariam os ataques do 11 de Setembro. Cheney tornou-se o maestro da reação americana, que incluiu ações muito equivocadas, como a invasão do Iraque.
Retratado pelo filme como um imbecil funcional, Bush é interpretado por Sam Rockwell, vencedor do Oscar de coadjuvante em 2018 por Três Anúncios para um Crime. Ele disputa o prêmio de novo neste ano, merecidamente. É uma interpretação que margeia o paródico, mas não chega a ser caricata. Está alinhada ao filme de McKay, feito sob medida para quem se interessa pelos bastidores da política, e foge de histórias edificantes, heroicas.
O filme tem boas chances de levar as estatuetas de edição e maquiagem e cabelo (a caracterização do elenco é incrível) e, em um mundo ideal, deveria também dar a Bale sua segunda estatueta. Só para constar, é dele o melhor desempenho entre os cinco indicados.
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