Um levantamento informal e rápido aqui, pelo meus contatos (que não são muitos), me descortina a seguinte realidade: recebi, por aplicativos de conversa ou redes sociais, pelo menos uma centena de dicas e materiais sobre a grande questão: O QUE FAZER COM AS CRIANÇAS NA QUARENTENA!??? Me perdoem a caixa alta. Eu entendo a boa-vontade. Agradeço. Inclusive olho tudo, salvo, uso, coloco pra tocar os canais dos contadores de histórias.
Mas não é só essa questão que nos aflige agora. Uma pandemia mundo afora. Além dos cuidados com a saúde, a manutenção do trabalho, a alimentação, ainda fica implícito que as crianças precisam estar praticando atividades lúdico-pedagógicas. Do contrário, vão perder: “perder tempo”, “perder o ano”, “perder” a prática, “perder” a rotina. Muito mais que o ano letivo ou que algumas semanas de aula, minha cabeça viaja e continua na mesma perquirição: essa geração de crianças vai perder muito mais e não são os hercúleos esforços de mães zelosas que mudarão isto.
Perderão parentes, amigos, familiares. Vão perder e terão de (e nós teremos junto com eles) reencontrar novas formas de entender, compreender e se relacionar com o mundo. Uma doença em escala global, com governos inaptos a tomar qualquer decisão e privilegiando a economia em detrimento das pessoas… não há tempo para retomar ou poupar. Eles viverão o tempo de outra maneira (oxalá seja melhor que a nossa).
Mas para além de todos esses devaneios, voltemos à questão prática, já examinada pela escritora e jornalista Rita Lisauskas, no Estadão, na semana passada. Na coluna semanal, também versou sobre a pressão silenciosa para “manter a rotina“, comer saudável e usar o tempo “sabiamente” com as crianças. Claro que queremos o melhor para nossas crianças. Claro que queremos que aprendam as coisas que precisam ser aprendidas. Óbvio que é bom que as escolas mantenham algumas atividades. Sim, precisamos de material para entretê-las, mas só na medida do possível. Só depois do trabalho, depois do banho, depois de comer, depois de se dar um tempo de autocuidado. Mães, se você não cuidarem de vocês mesmas, lamento muito, mas em algum momento não poderão cuidar dos seus filhos.
Uma doença em escala global, com governos inaptos a tomar qualquer decisão e privilegiando a economia em detrimento das pessoas… não há tempo para retomar ou poupar. Eles viverão o tempo de outra maneira (oxalá seja melhor que a nossa).
Eu até pensei em usar este espaço para divulgar essas boas ações voltadas paras os pequenos: links de repositórios de livros de toda natureza, canais sensacionais de experiências científicas para crianças, dicas de como aproveitar melhor o lixo reciclável criando brinquedos incríveis, cartilha para ensinar sobre o que está acontecendo (e quem é que consegue responder?). Mas desisti no meio do caminho porque senti que seria melhor para mim e para o mundo uma outra listagem necessária.
Em oito dias de isolamento social, já tivemos: pipoca no café da manhã; pijama o dia todo; um dia sem banho; cinco horas ininterruptas de tevê (fora todas as outras, picotadas); almoço irlandês (a expressão simpática que uso quando esta refeição é composta por um sanduíche; obrigada Paula); incontáveis brigas entre as duas crianças; sorvete no meio da manhã; horários completamente desregulados; dormir vendo um clipe no celular; todos os cômodos da casa com brinquedos, papel e lápis espalhados.
Sim, essa lista faz mais sentido para mim (e ela iria longe; ainda tem muito mais).
Sendo que essa lista faz mais sentido pra mim, consigo relaxar com relação às crianças, poupar minha saúde mental. Como resposta, ouço gargalhadas ao longe, vejo que dão pequenos passos à caminho da independência e me presenteiam com abraços apertados, brincadeiras bobinhas, cocegazinhas entusiasmadas e pedidos mil (dos mais triviais aos mais absurdos, como no dia em que a menina de 3 anos, informada que não poderia sair de casa, sugeriu chamar a família e os amigos para virem para nossa casa para fazer uma festa. Não foi fácil dissuadi-la).
A cobrança por produtividade já vem de todos os lados. Tenho certeza que qualquer trabalhadora que está em regime de home office tenta ser ainda mais eficiente. Quem está sem serviço (e provavelmente sem receber por isso) não está curtindo as “férias forçadas”. Some ainda a obrigação velada de entreter e ensinar as crianças (além de fazer comida, limpar a casa, lavar a roupa… atividades que, já se sabe, ficam a cargo da mulher). A conta simplesmente não fecha. E me questiono o que será que os pais compartilham em seus redutos: será que são dicas para passar tempo de qualidade com as crianças!?
Se você recebeu um material incrível e realmente não quer que isso fique parado aí, faça o seguinte: mande para um pai ou para um grupo de homens. Agradecida.