Neste sábado, a exposição Queermuseu: cartografias da diferença na arte brasileira reabre após 11 meses de resistência como marco histórico da luta artística e liberdade de expressão brasileira.
A exposição, que é a primeira já feita na América Latina com temática queer, foi cancelada pelo Santander Cultural em setembro de 2017 e vetada pela prefeitura do Rio de Janeiro apenas um mês depois, ambos os casos, por pressão conservadora.
Mas o que era para silenciar acabou reverberando e com mais de 1 milhão de reais arrecadados em um dos maiores financiamentos coletivos do Brasil, a exposição chega à Escola de Artes Visuais do Parque Lage com os 82 artistas e 214 obras.
As acusações de conteúdo pedófilo, zoófilo e anti-cristão – que resultaram nas censuras da Queermuseu – foram originadas e amplamente difundidas por grupos conservadores como o MBL, que recentemente teve 196 páginas e 87 perfis excluídos pelo Facebook como combate às fake news e reforçadas com posicionamentos pessoais como o de Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro, que alegou em vídeo que a exposição entraria só se fosse “no fundo do mar, porque no Museu de Arte do Rio, não”, mesmo com o CONMAR favorável à recebê-la.
Cabe lembrar que o próprio Ministério Público Federal considerou que as obras não faziam tais apologias, pedindo a reabertura da exposição e, posteriormente, exigindo que o Santander Cultural promovesse duas mostras sobre diversidade como forma de retratação.
Nos primeiros meses depois do cancelamento, esses movimentos conservadores foram intensos e resultaram em ataques pessoais aos artistas envolvidos e até em uma convocatória do curador Gaudêncio Fidélis na CPI dos maus tratos contra crianças e adolescentes.
Entretanto, a repercussão e o engajamento popular se sobressaíram ao cerceamento, tornando a exposição ainda mais popular. É o que comenta Cintia Ribas, artista curitibana que compõe a Queermuseu com três obras. “Num primeiro momento, foi um susto muito grande, tive até que bloquear minha página no Facebook por conta dos xingamentos, agora eu digo ‘muito obrigada MBL’ pelo o que vocês fizeram, porque assim vocês nos ajudaram a colocar a mostra ao gosto popular, que gerou um financiamento coletivo de mais de um milhão de reais, então a sensação agora é de muito prazer”, comenta Cintia em entrevista para Escotilha.
O financiamento coletivo arrecadou R$ 1.081.176,00 através de doações de 1678 pessoas e contribuição de mais de 70 artistas.
O financiamento coletivo arrecadou R$ 1.081.176,00 através de doações de 1678 pessoas e contribuição de mais de 70 artistas, que realizaram shows com arrecadação destinada à exposição.
Essa estratégia foi organizado pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, um local que é símbolo de resistência artística pelas peças, exibições e shows realizados por artistas como Gilberto Gil, Mario de Andrade e José Celso Martinez Corrêa no auge da Ditadura Militar na década de 1970.
Ao contrário do MAR, que vetou a exposição devido ao posicionamento municipal de Crivella, o Parque Lage é de responsabilidade do governo do Rio de Janeiro.
Artistas e Obras
Entre pinturas, gravuras, fotografias, colagens e esculturas, 214 obras de 82 artistas compõem a Queermuseu, que explora a expressão e identidade de gênero, a diversidade e a diferença na arte brasileira por meio de um conjunto de obras que percorrem um arco histórico de meados do século XX até a atualidade.
A artista visual Cintia Ribas, que pesquisa a multimídia – fotografia, fotomontagem e instalação-, compõe a Queermuseu com três colagens surrealistas que propõem a reflexão sobre estereótipos do corpo. “No processo de criação dessas colagens eu trabalho muito com o inconsciente. Eu escolho figuras humanas, que normalmente retiro de revistas de moda e publicidade com a intenção de desconstruir essa beleza e estética que constroem padrões de beleza a serem seguidos. Nesses três trabalhos, eu construí uma ideia de gênero e de sexualidade, são figuras sensuais, mas que denotam um outro gênero que não é esse padronizado ‘homem-mulher’, são criações de um terceiro sujeito que fica um tanto indefinido se a gente for pensar em uma questão mais psicológica”, comenta Cintia.
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