Em um texto sobre Star Wars: O Despertar da Força (2015) para a revista Reverse Shot, o crítico de cinema Eric Hynes afirma que estamos na era do “não foda com isso” (do-not-fuck-it-up). Ao assumir a franquia galáctica, J. J. Abrams era o homem de confiança da Disney que não iria arruinar a franquia como fez George Lucas nos episódios I, II e III. Jurassic World (2015) tem problemas, mas não estraga o legado de Jurassic Park (1994). O novo Godzilla (2014) é uma obra sem coração, mas não desrespeita tanto o monstro japonês quanto o remake de Roland Emerich, de 1998.
Vivemos um momento em que filmes são balizados a partir de memórias afetivas de marcas culturais da nossa infância. Quando há pouca originalidade nas grandes produções de Hollywood, a qualidade cinematográfica passa a ser medida pela fidelidade ao material original. A refilmagem, sequência ou adaptação não deve se distanciar muito da fonte para evitar reações raivosas do público.
Esse debate afeta o novo Caça-Fantasmas de modo muito particular. Desde o primeiro trailer, o longa-metragem de Paul Feig é alvo da cultura do ódio da internet. O vídeo chegou a bater o recorde de rejeição (dislikes) no YouTube. Na superfície, isso se explica pela mudança de gênero do elenco. Aqui, a equipe formada por Bill Murray, Dan Aykoroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson é substituída por Kristen Wiig, Melissa McCarty, Kate McKinnon e Leslie Jones.
Se não curte o original ou qualquer uma dessas comédias citadas, Caça-Fantasmas não é para você. Os demais devem achar o longa-metragem agradável.
Aparentemente, o afeto transforma certos produtos culturais em ícones intocáveis. Mudar o sexo dos protagonistas é o mesmo que profanar uma imagem religiosa. É um ato que lida com irracionalidade, intolerância e emoção. Uma “foda” promíscua com o material original, que será avaliada impiedosamente por uma sociedade moralista.
A condenação antecipada do filme é bastante exagerada diante do que se vê na tela. Tanto as protagonistas quanto o diretor têm uma trajetória muito similar aos astros que encabeçaram o mesmo projeto na década de 1980. A diferença é que, lá atrás, a proposta de um grupo de cientistas que, desacreditados, decidem apostar em um negócio de caçar aparições fantasmagóricas era original e cheia de frescor.
Há graça na narrativa conduzida por Feig. O visual dos fantasmas é bem legal. Alguns desavisados podem tomar sustos. Até mesmo o 3D, do qual não sou muito fã, funciona bem (alguns elementos, inclusive, “extrapolam” as faixas de widescreen para dar mais dimensão de tridimensionalidade). O que falta na refilmagem, porém, é originalidade.
Com uma trama previsível, os personagens funcionam a partir de situações que já vimos em títulos como Missão Madrinha de Casamento (2011), A Espiã que Sabia de Menos (2015) e As Bem-Armadas (2016). Se não curte o original ou qualquer uma dessas comédias citadas, Caça-Fantasmas não é para você. Os demais devem achar o longa-metragem agradável. Nenhuma surpresa até aí. Afinal, estamos diante de uma aposta segura de um estúdio que está se reaproveitando de uma franquia e, apesar do que alegam os críticos da internet de plantão, não quer “foder” com tudo porque precisa do dinheiro que temos a oferecer.
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