O teórico da comunicação Marshall McLuhan define os seres humanos como sujeitos tecnológicos. Tal como o mito grego de Narciso, que se apaixona pelo reflexo, olhamos para os maquinários ao nosso redor e não nos damos conta de que estamos diante de extensões de nossa própria identidade. Diariamente, alimentamos aparelhos de televisão, celulares e computadores com interações, informações e emoções. Na perspectiva do autor, a tecnologia é parte da sociedade, pois interfere profundamente nas relações sociais.
Em Ex-Machina: Instinto Artificial (2015), primeiro filme do roteirista Alex Garland como diretor, o pensamento do escritor canadense parece bastante presente. Na verdade, pelas críticas disponíveis na web, é possível perceber uma pluralidade incrível de leituras para a narrativa, que usa o conceito de inteligência artificial para criar um thriller bastante claustrofóbico.
Na trama, Caleb (Domhnall Gleeson) é um programador de uma empresa de tecnologia aos moldes do Google, que vence um concurso cujo prêmio é conhecer o CEO da companhia em que trabalha. Como espectadores, acompanhamos a descoberta da vitória com uma perspectiva que nos coloca dentro do computador, indício de que a ideia de Garland é usar a câmera para discursar sobre o hibridismo entre homens e máquinas.
Em certos momentos, a câmera de Alex Garland parece colocar em pauta o modo como a tecnologia se mistura aos seres humanos.
O tal chefe, Nathan (Oscar Isaac), vive de forma excêntrica, isolado em uma floresta particular. Sua mansão é cercada por cenários paradisíacos, que contrastam agressivamente com os corredores escuros e opacos da casa-laboratório do personagem, que passa o dia malhando, bebendo e testando suas invenções.
O concurso vencido por Caleb é um mero pretexto para que o milionário teste Ava (Alicia Vikander), androide feminino com uma sofisticada inteligência artificial. Inicialmente, a proposta é que o funcionário verifique a eficácia do software que emula a “humanidade” do robô, mas, gradativamente, os três personagens entram em uma disputa intelectual para definir o que é ser humano.
Em diversos aspectos, o longa-metragem de Garland se aproxima da obra de McLuhan. Em certo momento, Nathan faz uma incisiva defesa de que inserimos parte de nós na internet, disponibilizando-as para consulta sem nos darmos conta disso. Em outra cena, ele afirma que a inteligência é apenas uma capacidade de processar dados. A confusão entre seres humanos e máquinas é tanta que o próprio protagonista começa a duvidar da sua condição de homem.
Ex-Machina: Instinto Artificial tem muitos pontos de convergência com Blade Runner, o Caçador de Androides (1982), clássico da ficção científica dirigido por Ridley Scott. Nenhum deles é propriamente um filme de horror, mas seve como contraponto interessante para o conflito existencial da criatura de Frankenstein, cientista louco criado por Mary Shelley. Se o homem pode criar uma vida artificial, tem direito de acabar com ela?
No visual, no entanto, as duas produções não poderiam ser mais distintas. Enquanto a obra de Scott é opressora em suas gigantescas arquiteturas futurísticas, o cenário do filme de Garland é menor. A câmera se ocupa de corredores, salas de vidros e espaços intimistas. De qualquer forma, são duas belas ficções científicas.