A Trilogia da Morte marca um triunfante início de carreira para Alejandro G. Iñárritu. Com reflexões densas, propostas em um pano estético implacável, Amores Brutos, 21 Gramas e Babel funcionam tanto individualmente quanto interligados, pois, com forte carga emocional, criam um grande panorama sobre como o ser humano encara o fim da vida, das mais variadas formas nas quais a morte se manifesta. O segundo filme da trilogia, 21 Gramas, de 2003, além de ser uma grande experiência de contemplação, estabeleceu bases permanentes para o estilo de Iñárritu.
Roteirizado por Guillermo Arriaga – roteirista de toda a trilogia -, o longa interliga diferentes histórias. Paul (Sean Penn), que, em um estado terminal de uma severa doença no coração, aguarda, já desesperançoso, por um órgão novo para ser transplantado. A salvação de Paul vem quando Michael (Danny Huston) e suas duas filhas morrem atropelados por Jack Jordan (Benicio Del Toro), ex-condenado, que, em busca de redenção e esclarecimento, passou a dedicar sua vida à religião. Obcecado por descobrir quem salvou sua vida, Paul chega até Cristina (Naomi Watts), viúva de Michael, com quem desenvolve um relacionamento amoroso, abandonando esposa e os planos de ter filhos.
Diferentemente de Amores Brutos, seu antecessor, 21 Gramas não sugere que a aproximação da morte depende das nossas escolhas. O segundo filme da trilogia vai na contramão do longa anterior e prega a impossibilidade de lutar contra o fim da vida, adotando um grande pessimismo ao impor a morte com um tom determinista, apequenando seus personagens e tornando-os impotentes diante das situações impostas.
O tom contemplativo de 21 Gramas torna-se o grande elo entre filme e espectador, pois, inevitavelmente, nos prende pensando na crueza das situações e como elas poderiam, muito bem, acontecer conosco ou com quem gostamos.
Naturalmente, esta abordagem permite um afloramento muito maior do sentimento de empatia, pois nos vemos sensibilizados com dramas de pessoas que, de uma forma ou de outra, buscam redenção e recomeço, muitas vezes na tentativa de se recuperar de algo que não puderam escolher, como uma grave doença ou a morte de toda a família. Nesse sentido, o filme abre mão de uma estética tão crua e chocante e opta por uma brutalidade emocional, ao passo que, mesmo aquilo que não é mostrado, é mentalmente visualizado pelo espectador a partir de falas perturbadoras como “Ela olhou nos meus olhos antes de eu atropelá-la”, ditas por um ofegante e traumatizado Jack Jordan, composto magistralmente por Benicio Del Toro, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pela performance.
A carga emotiva do filme ganha ainda mais força pelas mãos de Iñárritu. O mexicano, como havia anteriormente feito, é enfático em seus primeiros planos de rostos e expressões, praticamente evocando no espectador, a mesma sensação vivida pelo personagem. Entretanto, o diretor opta por movimentar muito pouco sua câmera, e quando o faz, é de maneira lenta e cadenciada. Este tom contemplativo torna-se o grande elo entre filme e espectador, pois, inevitavelmente, nos prende pensando na crueza das situações e como elas poderiam, muito bem, acontecer conosco ou com quem gostamos.
Todo este tom pessimista que o filme carrega consigo é propositalmente reiterado na excelente montagem de Stephen Mirrione, que cria, ininterruptamente, antíteses e contrapontos a partir da justaposição de planos. Alternando entre momentos do passado e do futuro, início e fim da vida, além de extremos emocionais dos personagens, o longa é montado de forma a sempre criar uma noção de “beco sem saída”, como se o próprio montador se colocasse em uma posição de dizer “não importa o quanto eu corte e costure tudo isso, o desfecho é inevitável”. Até mesmo a brincadeira com o tempo feita por Mirrione é extremamente eficaz para o cerne da reflexão proposta, pois pouco importa a história ganhar certa previsibilidade conforme o espectador monta o quebra-cabeça, visto que ninguém, nem mesmo quem assiste, pode interferir no inevitável.
21 Gramas é, possivelmente, o trabalho mais emocionante de Alejandro G. Iñárritu. Com performances memoráveis de Sean Penn, Benicio Del Toro e Naomi Watts – indicada ao Oscar de melhor atriz pelo papel -, a obra discute determinismo, fragilidade, culpa e cuidado com uma franqueza louvável, reconhecendo a posição do ser humano diante do inevitável, sem hipérboles ou espetáculo. O filme é, em outras palavras, respeito pela fenômeno da morte.
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