Mais até do que sua ambientação sombria, claustrofóbica, o que, em minha opinião, faz de Batman o mais noir dos filmes da franquia é a melancolia que o personagem veste na alma e no corpo de seu novo intérprete, o ator britânico Robert Pattinson.
Embora ser um personagem fraturado emocionalmente seja intrínseco ao homem-morcego – afinal, ele é fruto de uma tragédia –, a mais recente encarnação de Bruce Wayne parece se alimentar da escuridão, como se dela precisasse para sobreviver. Em certa medida, ele é um super anti-herói, o que o alinha aos protagonistas mais importantes do cinema noir.
Para dirigir Batman foi convidado o norte-americano Matt Reeves, cineasta que trouxe de volta às telas a franquia Planeta dos Macacos, lhe dando relevância e tessitura dramática. A aposta deu certo: o diretor fez um filme que, se não é perfeito, está longe de ser acomodado. Tem pulsação.
Menos importante em Batman do que a trama propriamente dita, bastante sólida mas não memorável, é a atmosfera de dubiedade do filme, em que tudo e todos são vulneráveis e suspeitos.
Coescrito por Reeves e Peter Craig (de Armação Perigosa), o roteiro de Batman não resgata as origens do homem-morcego. Presume que, após tantas encarnações no cinema, o público já saiba de cor que os pais de Bruce Wayne foram assassinados, o deixando órfão ainda menino, sob os cuidados do mordomo Alfred, agora vivido por Andy Sirkis (o Gollum da trilogia O Senhor Anéis).
A ação se passa em uma Gotham City que nunca se pareceu tanto com Nova York, cidade que a inspirou, só que mais feia, suja, malvada. E, principalmente, escura. Há pouquíssimas cenas diurnas no filme.
Imersa, como sempre, em violência e corrupção, Gotham está às vésperas de uma eleição municipal. O atual prefeito tenta reeleição contra uma candidata negra, Bella Real (Jayme Lawson, de Farewell Amor), que vem com uma plataforma que promete enfrentar a criminalidade. Só que a cidade é tomada de assalto por uma onda assassinatos cruéis.
O roteiro busca, tenho certeza, inspiração em dois grandes filmes, também alinhados com a estética do neonoir, do cineasta norte-americano David Fincher: Seven – Os Sete Crimes Capitais e Zodíaco. Ambos giram em torno de serial killers.
Em Batman, quem assina os crimes é o Charada, vilão clássico das histórias do homem-morcego que perde a malha e a máscara verdes, já envergadas por Jim Carrey em Batman Eternamente, e ganha uma faceta mais realista – e muito assustadora. Paul Dano (de Sangue Negro), em atuação brilhante, me deu arrepios no papel do contraventor, agora um psicopata que odeia Gotham City e vê em Batman mais do que um inimigo. Mas isso cabe ao filme revelar, não a mim.
Outro vilão célebre presente em Batman é o Pinguim (Colin Farrell, irreconhecível), sem seus tradicionais fraque e cartola. Ele é o proprietário de uma casa noturna, algo entre uma boate e um bordel, associado ao grande comandante da máfia local, Carmine Falcone (John Torturro). Nesse ambiente de sexo e contravenção também está imersa Selina Kyle (Zoë Kravitz), a Mulher-Gato, personagem, por enquanto, de contornos mais heróicos do que vilanescos, com quem Batman desenvolve uma relação de tórrida tensão sexual. É uma delícia vê-los juntos na tela.
Menos importante em Batman do que a trama propriamente dita, bastante sólida mas não memorável, é a atmosfera de dubiedade do filme, em que tudo e todos são vulneráveis e suspeitos. A fotografia, que contrasta o vermelho e o negro, e a direção de arte, de contornos mais realistas, degradados, assim como os figurinos, nos colocam nesse lugar de instabilidade, traço indissociável do noir.
O Batman e o Bruce Wayne de Pattinson não são raivosos como o vivido brilhantemente por Christian Bale na trilogia assinada por Christopher Nolan. Pattinson tem uma masculinidade bem mais ambígua, tristonha, e, por isso, em seu corpo e olhar, o Batman se materializa nem melhor ou pior, porém, talvez, mais freak do que nos filme de Nolan, fazendo lembrar em alguns momentos Edward Mãos-de-Tesoura, personagem de Johnny Depp no já clássico filme de Tim Burton, que lá no fim dos anos 1980 dirigiu outro Batman, gótico e fantasioso, estrelado por Michael Keaton. O círculo da intertextualidade, de certa forma, assim se fecha.
Batman está previsto para chegar ao canal de streaming HBO Max em 1 de abril e já arrecadou US$ 677 milhões no mundo.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.