O filme Cosmópolis (2012), do diretor canadense David Cronenberg, é um belo retrato dos tempos de hoje. Belo no sentido de que é um trabalho competente. Em sua mensagem, no entanto, transborda acidez: o enfoque de uma realidade manchada por crise econômica mundial, vazios existenciais e tecnologia onipresente, mas incapaz de contornar – ou mesmo evitar – colapsos. Individuais ou coletivos.
Adaptação do romance homônimo de Don DeLillo, Cosmópolis traz Robert Pattinson no papel de Eric Packer, jovem que perde sua fortuna em poucas horas. O filme retrata o dia em que ele resolve atravessar a cidade em sua limusine para, simplesmente, cortar o cabelo. O trânsito, contudo, está caótico em razão da passagem do presidente dos Estados Unidos e, também, de protestos anti-capitalismo.
Interessante a escolha de Pattinson para o papel principal. Por um lado, podemos considerar que sua atuação (louvável) é uma tentativa de desvincular o ator do papel que o fixou no imaginário mundial na série Crepúsculo. Por outro lado, uma interpretação radicalmente oposta é plausível: o uso estratégico da imagem de um “vampiro” para encarnar um especulador da bolsa de valores que se posiciona em sua limusine como rei no trono.
Cosmópolis é um festival de filosofia. Traz reflexões sobre o tempo (“Todos esqueceram a eternidade, concentraram-se nas horas. O tempo é um ativo corporativo agora”); sobre a tecnologia (“Os computadores estão mortos como unidades distintas: um gabinete, uma tela, um teclado. Estão penetrando na textura da vida cotidiana. Mesmo a palavra ‘computador’ soa antiquada e tola”).
Definitivamente, este trabalho de Cronenberg não atrai multidões. É hermético como o carro do protagonista. Mas é um respeitável retrato de tempos de Occupy Wall Street, jovens bilionários e fortunas que dependem de “suspiros” de autoridades.
Traz reflexões sobre a influência das palavras – ou silêncios – de autoridades monetárias na agitação ou calmaria dos mercados. Basta lembrar da menção a um boato envolvendo o ministro das Finanças (“O país agora analisa a gramática e a sintaxe do comentário. E nem foi o que ele disse. Foi quando fez uma pausa. Toda a economia está em convulsão porque ele respirou fundo”).
Cosmópolis também traz provocações sobre vazios existenciais: “Quero matá-lo para fazer algo de importante na vida”, diz o personagem de Paul Giamatti. “Que dor pode um jovem sentir?”, pergunta outro personagem para logo ouvir: “Há dor suficiente para todos agora”.
Cronenberg também arquitetou uma cena bizarra, bem a seu gosto, de um exame de toque retal que resulta no diagnóstico de uma “próstata assimétrica”. Isso, claro, tem sua importância na história. Além disso, é sagaz a relação entre a presença do presidente e a estagnação do trânsito (ou da economia e, por extensão, da vida): “Pensei que estávamos nos movendo, mas não estamos mais”. “É que o presidente está na cidade”.
Definitivamente, este trabalho de Cronenberg não atrai multidões. É hermético como o carro do protagonista (ele próprio um dos personagens). Mas é um respeitável retrato de tempos de Occupy Wall Street, jovens bilionários e fortunas que dependem de “suspiros” de autoridades.
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