“Eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade”. Em certo momento do documentário Democracia em Vertigem (2019), que estreou na Netflix no dia 19 de junho, essa frase é dita pela diretora/roteirista/produtora Petra Costa. Essas palavras demonstram uma das principais características desse trabalho: a narração em primeira pessoa. Assim, a cineasta mineira faz um documento histórico dos últimos anos no Brasil sem deixar de lançar impressões pessoais e relatos da própria vida. A História do País e a história da narradora, enfim, são suavemente entrelaçadas.
Diferentemente de O Processo (2018), dirigido por Maria Augusta Ramos, Democracia em Vertigem não lança suas lentes somente para o processo de impeachment de Dilma Rousseff, mas, também, para os principais fatos políticos do País acontecidos, principalmente, entre 2013 e 2018. Entre eles estão as manifestações de junho de 2013, o nascimento da Lava Jato, em 2014, e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.
A maioria dos fatos faz menção direta ao Partido dos Trabalhadores (PT). Há o enfoque daquilo que a diretora considera como benefícios ao País e, também, críticas ao partido. Ela menciona que, durante os mandatos presidenciais de Lula, pessoas saíram da pobreza, o número de negros triplicou nas universidades, o desemprego caiu e, em 2008, enquanto o planeta enfrentava uma grave crise econômica, o Brasil passou de 13ª para 7ª economia do mundo. Há, inclusive, a cena em que o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chama Lula de “o cara” e de “político mais popular do planeta”. Tudo isso fez com que o ex-presidente deixasse seu segundo governo com 87% de aprovação.
Petra elenca essas informações positivas sem deixar de mencionar o mensalão, a aliança com o então PMDB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro, e, obviamente, a Lava Jato. A cineasta lembra que, embora Lula tivesse sido eleito com 61% dos votos em 2002, sua coalizão não tinha a maioria no Congresso e que, para reverter isso, o partido foi acusado de comprar apoio.
Sobre o acordo com o então PMDB, ela revela: “Eu votei no Lula com a esperança de que ele reformasse eticamente o sistema político. Mas lá estava ele repetindo práticas que sempre criticou e formando alianças com a velha oligarquia brasileira”. Não é apenas através de frases como essa que Petra se expõe ao escolher ser narradora. Ela conta que seu avô ajudou a fundar a construtora Andrade Gutierrez, uma das empresas envolvidas na operação Lava Jato.
Ela própria sente, na família, a polarização que tomou conta do Brasil. Os pais eram críticos da ditadura militar e, portanto, têm mais identificação com a “esquerda”. Por outro lado, a maioria de sua família, segundo ela, optou por votar na “direita” na eleição presidencial de 2018.
O enlace de História (do País) e história (da narradora/diretora/roteirista/produtora) é um dos principais aspectos de Democracia em Vertigem.
Em outro momento de maior exposição, Petra entrevista a própria mãe sobre as impressões dela a respeito da Lava Jato. A mãe afirma ter considerado a operação benéfica, inicialmente, mas que, com o passar dos anos, mudou de opinião por considerar que o trabalho de investigação acabou tornando-se partidário.
Esse enlace de História (do País) e história (da narradora/diretora/roteirista/produtora) é um dos principais aspectos de Democracia em Vertigem, que vem acompanhado da captação das vozes dos entrevistados e dos fatos no momento em que estão ocorrendo.
Há um número reduzido de entrevistas, com perguntas diretas da cineasta à fonte. As poucas que acontecem enfocam os entrevistados em movimento, sem deixar completamente de fazer o que já estão fazendo.
Para muito além da polarização que tomou conta do País e que o próprio documentário enfoca, Democracia em Vertigem tem a qualidade de ser um resumo dos principais acontecimentos políticos do Brasil nos últimos anos.
A tendência é que a polarização ou endeuse ou demonize a cineasta, mas nada disso deve desqualificar ou relativizar o trabalho cinematográfico e histórico realizado.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.