Dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders, Dias Perfeitos é um filme que transcende as convenções cinematográficas ao mergulhar nas complexidades da vida diária, a retratando nos mínimos detalhes. Wenders estabeleceu-se como um dos mais importantes cineastas da atualidade, com filmes aclamados como Paris, Texas e Asas do Desejo. Sua paixão por explorar temas como solidão, conexão e redenção ressoa profundamente em sua obra, e seu mais recente longa-metragem, rodado no Japão e indicado ao Oscar de melhor filme internacional, não é exceção.
Esse pequeno, mas precioso filme, oferece uma meditação poética sobre a beleza e a profundidade que podem ser encontradas nas experiências mais simples e prosaicas da vida. A escolha do ator nipônico Koji Yakusho para o papel principal é mais um exemplo da visão de Wenders como diretor.
Yakusho, um dos mais talentosos de sua geração no Japão, traz uma humanidade e uma autenticidade notáveis ao personagem de Hirayama, tornando-o incrivelmente real e comovente. Sua atuação, premiada no Festival de Cannes, é complementada pela direção cuidadosa de Wenders, que sabe como extrair o melhor de seus elencos e criar momentos de grande impacto emocional. O auteur alemão, em um estado de espírito de Yasujiro Ozu (o mestre japonês é um de seus ídolos cinematográficos), traz à tona sua considerável habilidade com simplicidade visual e o estranho fascínio do isolamento, criando um vislumbre de duas semanas em que uma vida modesta alcança uma graça inestimável.
Estamos com Hirayama quando ele acorda com o barulho da varrição da rua. Ele escova os dentes, borrifa suas plantas, veste seu macacão e toca fitas de rock clássico (Lou Reed, Velvet Underground, Patti Smith, Rolling Stones) em sua van a caminho do trabalho. O vemos esfregar, limpar e passar pano em vasos sanitários.
Yakusho, um dos mais talentosos de sua geração no Japão, traz uma humanidade e uma autenticidade notáveis ao personagem de Hirayama, tornando-o incrivelmente real e comovente. Sua atuação é complementada pela direção cuidadosa de Wenders, que sabe como extrair o melhor de seus elencos e criar momentos de grande impacto emocional.
Você vai acreditar que um homem pode se divertir limpando banheiros públicos. As instalações em questão são, para ser justo, chamativas, resultado de uma iniciativa real de hospitalidade chamada Tokyo Toilet, que convocou os principais arquitetos do Japão para projetar banheiros diversos e esteticamente atraentes que agora pontilham os parques, ruas e recantos do moderno distrito de Shibuya. Um banheiro se assemelha a um aglomerado de cogumelos, outro a um recanto arborizado.
Hirayama também ajuda uma criança perdida, suporta a conversa fiada de um jovem colega de trabalho (Tokio Emoto) e tira fotos dos topos das árvores em sua pausa para o almoço.
Vemos Hirayama após o expediente também: pedalando ao crepúsculo, esfregando-se em um banho público, jantando em um local favorito e, em seguida, lendo antes de dormir. Quando há variações em seu ritual, ele se adapta, e nesses desvios, nós percebemos um pouco mais. Não muito mais, no entanto.
Há uma certa mudança de tom na narrativa de Dias Perfeitos quando sua sobrinha adolescente, Niko (Arisa Nakano), o visita inesperadamente por alguns dias, percebemos que o senhor magro e grisalho deixou uma vida inteira para trás, voluntariamente. Não aprendemos nenhum detalhe, porque Wenders prefere que lidemos com a vida que Hirayama encontrou agora. É bom notar, no entanto, que isso também não é explicado muito claramente.
Mas o prazer requintado da performance quase silenciosa de Yakusho é que ele sempre está nos comunicando uma emoção mesmo assim, por meio de seu coração pulsante, de uma alma contente e de um sorriso visível em seus olhos, despertado pelo que apenas ele pode ou consegue ver. Se você ficar até depois dos créditos, no entanto, aprenderá uma palavra japonesa para o que é esse sentimento efêmero.
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