Um dos títulos mais premiados do último ano, Druk – Mais uma Rodada, longa-metragem do cineasta Thomas Vinterberg, autor de grandes filmes como A Caça e Festa de Família, discute de forma bastante inusitada a chamada crise da meia-idade. Ao mesmo tempo em que faz rir, é um filme muito doloroso, talvez, justamente, por abordar com um humor ácido um tema tão delicado.
No centro da trama, está um grupo de amigos, todos professores de ensino médio, que se veem reféns de um misto tóxico de estabilidade, comodismo e falta de perspectivas. Vale lembrar aqui que a trama se desenrola na Dinamarca, onde qualidade de vida, desfrutada por muitos, não é, necessariamente, sinônimo de felicidade.
O excepcional Mads Mikkelsen (de A Caça) é Martin, um professor de História, que, aos chegar aos seus 40 e tantos anos, descobre-se esvaziado. A esposa já não reconhece o homem por quem se apaixonou, os alunos se entendiam mortalmente com suas aulas. No horizonte, ele só enxerga repetição e sombras.
No centro da trama, está um grupo de amigos, todos professores de ensino médio, que se veem reféns de um misto tóxico de estabilidade e falta de perspectivas.
Durante um jantar com seus colegas de escola, o grupo de mestres se dá conta de que, de uma forma ou de outra, todos compartilham o mesmo mal-estar. Surge, então, um debate acalorado sobre a teoria do psiquiatra Finn Skårderud de que os seres humanos possuem um déficit de teor alcoólico no sangue, que deveria ser compensado diariamente para uma vida mais plena e menos falsa. Os professores decidem, então, verificar na prática essa hipótese. O que se segue é uma louca e tocante sequência etílica de acontecimentos que irá alterar a rotina de todos.
É um primor o roteiro de Vinterberg, um dos ideólogos do movimento cinematográfico Dogma 95 (que propunha o resgate de um cinema essencial) e Tobias Lindholm. Fluído e orgânico, com diálogos afiados e situações ao mesmo tempo engraçadas e muito incômodas, Druk – Mais uma Rodada torna factível a proposta dos personagens, os humanizando e nos fazendo pensar em nossas próprias vidas. É uma obra potentíssima sobre masculinidade e suas muitas armadilhas, regada a fermentados e destilados.
Fugindo do moralismo, e de discursos rasos antialcoolismo, o filme de Vinterberg acerta ao cheio ao brincar com a ideia de que o experimento etílico de Martin e seus amigos tem chances dar certo: a bebida pode ser o que está faltando a suas vidas. Eles reconquistam seus estudantes com aulas mais espontâneas e interessantes. O protagonista chega até a ensaiar um recomeço amoroso com sua mulher. Mas, aos poucos, o bem-estar proporcionado pelo consumo intensivo de álcool prova ser uma miragem, uma quimera.
Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Lars Ranthe e Magnus Millang, que interpretam os protagonistas, brilham e a química entre os quatro atores impressiona. São homens que, apesar de terem alguma intimidade e compartilharem afeto, enfrentam enorme dificuldade de comunicação e expressão de seus sentimentos, um traço indelével do mundo masculino, não importa em que cultura se esteja. Another Round, enfim, discute de forma original e surpreendente medos reais e imediatos.
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