Durante toda a série de comédia Brooklyn Nine-Nine, o personagem principal, Jake Peralta (vivido por Andy Samberg), apresenta uma verdadeira obsessão por um filme: Duro de Matar, clássico filme de ação de 1988, e que colocou Bruce Willis – assim como seu personagem, o policial John McClane – no panteão do gênero.
Mesmo sendo uma criança crescida nessa época (em 1988, tinha 8 anos), confesso que nunca havia de fato assistido ao filme. Bom, eram os anos 80, e obras violentas como essa passavam eventualmente na Sessão da Tarde, então é provável que eu tenha espiado por tabela. Foi uma experiência e tanto acessar um clássico desse tipo agora, na idade adulta.
35 anos depois, dá para dizer que há muitos elementos cômicos no filme dirigido por John McTiernan (que já havia feito O Predador, em 1987). Afinal, é difícil não rir ao notar que praticamente todos os filmes hollywoodianos dessa época reaganista tinham apenas dois tipos de vilões: ou eram russos, ou eram alemães. Em Duro de Matar, os “maus” são justamente uma gangue de ladrões germânicos, entusiastas do comunismo, como fica claro por conta de algumas de suas falas.
Mas talvez a parte mais involuntariamente engraçada seja, de fato, a própria ideia do “die hard”, a dificuldade de matar um único sujeito que, sem qualquer ajuda, se enfia por acaso num prédio que é sequestrado por uma quadrilha e precisa resgatar (sozinho!) todos os reféns. Não há dúvida que John McLane é uma espécie de figura mítica que provavelmente seria bastante questionado se aparecesse nas películas atuais.
Um pai de família
Quando Duro de Matar começa, somos apresentados a uma situação triste. O policial de Nova York John McLane (Bruce Willis então com 33 anos, lançado à fama por conta da série A Gata e o Rato) está separado de sua esposa, Holly (Bonnie Bedelia), e dos filhos pequenos. Logo entendemos que ela sucedeu na carreira e ele simplesmente não soube apoiá-la, causando o afastamento. Mas está sofrendo e tentando ajeitar as coisas com ela.
Ou seja, o galã – que aparece logo no início em trajes escassos, quase sempre usando uma regata (e é interessante notar que Willis não tem os músculos sarados que seriam mais comuns nos filmes atuais de ação) – é um amoroso pai de família. Claro que McLane tem postura sexy e aparece muitas vezes (mas muitas mesmo) fumando cigarro de maneira sedutora, mas fica claro para nós que, no íntimo, ele valoriza a vida conjugal.
Ocorre que McLane viajou para Los Angeles para participar de um jantar de Natal na empresa da esposa, a japonesa Nakatomi Corp, onde Holly exerce um alto cargo executivo. E é lá que os bandidos invadem em busca do dinheiro que está guardado nos cofres. São muitos os assaltantes, e eles estão coordenados pelo chefe perfeito, um terrorista alemão chamado Hans Gruber (vivido pelo britânico Alan Rickman, que mais tarde ficaria célebre por viver Severus Snape em Harry Potter).
Não há dúvida que John McLane é uma espécie de figura mítica que provavelmente seria bastante questionado se aparecesse nas películas atuais.
A partir daí, há pouco o que se desdobrar da trama que não possa ser resumido assim: são duas horas e dez minutos de ladrões que tentam invadir um arranha-céu, mas sempre são impedidos pela esperteza de um único sujeito. É preciso de muita suspensão da descrença para aproveitar, já que John McLane leva tiro, sangra, está sempre descalço durante o filme e mesmo assim consegue seguir adiante e proteger os reféns.
Triangulando essa disputa entre o exército do homem só e a gangue alemã, está a polícia americana que, embaixo do prédio, tenta comandar uma operação de resgate. Mas a marca dessa instituição, aqui, é a burrice, e o chefe vivido por Paul Gleason parece só piorar as coisas. Mas esta relação é equilibrada por um “amigo” que McLane faz por meio do walkie talkie: o sargento Al Powell (Reginald VelJohnson), um policial traumatizado que, depois de errar e matar uma criança por acidente, não quer nunca mais entrar em conflitos.
Os brutos também amam
A obra (que se seguiria em uma bem-sucedida franquia posteriormente) lançava Bruce Willis como um novo modelo dentro dos filmes de ação. Diferente dos fortões Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, que já figuravam no gênero, Bruce Willis transita em outro tipo de desempenho, mais voltado à esperteza e à malemolência sedutora que já havia conquistado o público como o detetive David Addison em A Gata e o Rato.
Duro de Matar consegue construí-lo como um novo galã que exploraria o filão e a própria imagem por muitos anos. Além disso, dá para dizer que o filme carrega pequenas pérolas que ficam mais evidentes por conta do afastamento temporal.
A começar, pela obsessão hollywoodiana em trabalhar com esses arquétipos estereotipados dos inimigos dos Estados Unidos. Os alemães aqui são personificados de forma risível na figura de Hans Gruber, um sujeito impassível, cruel, incapaz de se comover até a presença de uma grávida entre os reféns. Ele carrega um ar de superioridade e claramente se sente superior aos americanos – dessa forma, o tombo final é sempre mais saboroso. Alan Rickman, aliás, está perfeito no papel.
O outro aspecto é o retrato explícito do que se imaginava ser o clima dos anos 1980. Além do cigarro onipresente, como já comentado, as permanentes no cabelo, o clima de pegação na festa da firma, há também um personagem que usa cocaína no escritório e se sente tão empoderado a ponto de querer negociar com terroristas.
O resultado é que, mesmo 35 anos depois, Duro de Matar segue como um dos mais inusitados filmes de Natal – com direito a mensagens edificantes no final. Um clássico para os fãs de ação que nunca foi superado.
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