Poucos lugares na América Latina são tão emblemáticos quanto o Hot Club de Montevideo. Mais do que um espaço físico (até porque já que rodou por diferentes lugares na capital uruguaia), ele é uma instituição do jazz, um templo em que a improvisação, o swing e os ritmos não lineares criaram raízes sul-americanas.
Ultrapassados seus 70 anos, ganhou o olhar do diretor Maximiliano Contenti, que, por óbvio, tem uma proximidade muito grande com seu objeto. Ele é filho do trompetista uruguaio Gastón Contenti, um dos grandes nomes do gênero musical na América Latina.
Integrante da mostra Foco Latino do 28º Festival É Tudo Verdade, Hot Club de Montevideo é construído através do resgate de imagens e dos relatos dos músicos e membros que ajudaram a construir a história do clube, que recebeu nomes expressivos como Dizzy Gillespie, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald.
O longa-metragem de Contenti faz uma jornada optando por um formato documental mais tradicional, e em algum ponto até quadrado. Vai, aos poucos, construindo em capítulos o passado e o presente do Hot Club de Montevideo. Não é exagero crer que o diretor faz esse resgate como alguém que se esforça em dar novo fôlego ao espaço.
Especificamente como produto cinematográfico, Hot Club de Montevideo deixa a desejar pelo excesso de cordialidade com seu “retratado”.
O clube, que de clube atualmente só carrega a alcunha, atravessou graves crises financeiras ao longo de seus mais de 70 anos. Ainda que a da década de 1970 tenha sido a mais feroz, o Hot Club ainda teve que enfrentar as restrições causadas pela pandemia. Esta, inclusive, tirou-lhe o último espaço que havia conquistado.
Mas se não inova no formato ou na abordagem, Contenti pesa a mão no saudosismo, por sorte sem tombar em pieguismos, mesmo que as fronteiras entre “pesquisador” e “objeto” estejam completamente borradas.
A trajetória do jazz “en el paisito” (maneira carinhosa de se referir ao Uruguai) se confunde com a própria cultura musical de nosso vizinho oriental. O cinema de Lydia García Millán é trazido à baila, mostrando a relação entre imagem e som, por exemplo, desde os idos dos anos 1950. Na prática, Paco Mañosa, Horacio “Bocho” Pintos e companhia criaram um espaço que permitiu a toda América Latina fazer mais do que cultuar um gênero musical, mas imprimir suas digitais nele.
Especificamente como produto cinematográfico, Hot Club de Montevideo deixa a desejar pelo excesso de cordialidade com seu “retratado”. O excesso de elogios esconde (logicamente, por decisão de Maximiliano Contenti) os problemas de gestão do clube, a ausência de mulheres e negros. Todavia, funciona bem como na sua mescla de registro histórico e propaganda. Resta a dúvida se um youtuber de turismo não faria o mesmo com menos tempo de tela. E, às vezes, até melhor.
O documentário terá novas exibições nos dias 19 e 20, em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente. Confira a programação completa do É Tudo Verdade no site do festival.
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