Quem cresceu nos anos 1980 deve lembrar de um gênero bastante frequente no cinema eram os “filmes de virgindade”, obras (quase sempre comédias com leves tons dramáticos) que retratavam a passagem para a vida adulta por meio da descoberta do sexo. Estão aí Porky’s, de 1981, e O Último Americano Virgem, de 1982, para provar. Mais de quarenta anos depois, o gênero, de certa forma, segue existindo. Só que outras discussões se tornaram incontornáveis quando se trata do tema, como o consentimento nas relações sexuais, sobretudo entre homens e mulheres. É aproveitando este mote que surge um filme bastante provocador: How to Have Sex, longa-metragem de estreia da diretora britânica Molly Manning Walker, de apenas 30 anos.
Vencedor do Un Certain Regard, a principal mostra paralela do Festival de Cannes, How to Have Sex é uma espécie de surpresa, capaz de enganar os que o decifrarem inicialmente como mais um filme divertido sobre bebedeira e vida juvenil (a série American Pie, iniciada em 1999, seria um bom exemplo deste estilo). Isto porque o tom festivo em sua superfície vai dando espaço, aos poucos, para uma obra repleta de camadas.
E quase todas elas estão centradas na personagem principal, a jovem Tara (a excelente Mia McKenna-Bruce), de apenas 16 anos (na vida real, a atriz tem 26). Depois do fim das aulas, ela vai, junto de suas duas melhores amigas – a descolada Em (Enva Lewis) e a ousada Skye (Lara Peake) curtir um final de semana enquanto aguardam o resultado do vestibular. Elas se direcionam a uma espécie de festival para adolescentes, aos moldes das competições esportivas comuns entre as universidades brasileiras.
O resort fica em Creta, na Grécia, e as três estão empolgadíssimas para alguns dias de pouco sono, muita bebida e, claro, muito sexo. Mas a delicada Tara, diferente de suas amigas, é virgem. Ela carrega consigo a vontade de usar esta oportunidade para se “livrar” desse problema – ainda que fique pouco claro se este é um desejo genuíno ou uma pressão social. Contudo, o processo de curtir “o melhor fim de semana de todos” terá algo de tortuoso.
Virgindade e consentimento entre a geração Z
Uma das belezas do filme de Molly Manning Walker é que o foco está no feminino, algo bastante incomum nos filmes deste estilo.
Uma das belezas do filme de Molly Manning Walker é que o foco está no feminino, algo bastante incomum nos filmes deste estilo. O que How to Have Sex nos entrega é o olhar das mulheres quando inseridas neste contexto de “vida louca”, com o cuidado de não homogeneizar a experiência em um consenso, já que as três amigas vivem coisas totalmente diferentes.
Mas estamos entregues sobretudo ao que acontece com Tara, e às dificuldades de ser mulher em pleno 2024, embora o debate já tenha avançado enormemente. Vale lembrar que o foco é a geração Z, supostamente a mais antenada e esclarecida, mas, quando se pensa em hedonismo, talvez os limites possam ser ultrapassados de forma mais fácil.
É interessante notar as sutilezas do roteiro. Embora Tara pareça interessar por um moço engraçado, mas aparentemente menos popular e mais pobreShaun Thomas), há uma sugestão que ela se relacione com Paddy (Samuel Bottomley), mais bonitão e – talvez por isso – pouco sensível. Todos estão entregues à obrigatoriedade de aproveitar o máximo, e a virgindade de uma menina de 16 anos certamente não será uma preocupação dos meninos.
Vai se tornando claro que as noções sobre o que é tesão e o que é abuso são bem pouco estabelecidas entre esse jovens. Mas a riqueza do filme é que tudo isso nos é entregue por meio de uma belíssima direção de fotografia e por uma performance absolutamente arrebatadora de Mia McKenna-Bruce. A jovem atriz consegue levar a audiência para dentro de um filme que explicita as dores e as delícias de ser uma mulher e querer se aproximar não apenas do sexo, mas da vida adulta.
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