Sexo. Muito. E muito explícito. O uso desse recurso em Love (2015), de Gaspar Noé, chega a arrancar comentários até mesmo dos mais avisados sobre o seu conteúdo. “Não sabia que era tão direto assim”, comentou um espectador ao meu lado para sua companheira cerca de cinco segundos após o início da projeção. Mas, para bem além de qualquer polêmica e puritanismo, a decisão do diretor está igual e explicitamente inserida em um contexto: retratar o sexo como amor.
Isso fica evidente quando se acompanha o abismo que separa dois momentos da trajetória do protagonista, Murphy, vivido por Karl Glusman: o antes, uma vida na qual o sexo era prazer, liberdade, intensidade e entrega sublime à amada, Electra (Aomi Muyock); e o agora, um casamento forçado pelas circunstâncias no qual a convivência entre Murphy e esposa (Klara Kristin) é desconfortavelmente exibida como fonte de opressão e tédio. Um casamento que surge quando o sexo é justamente “usado” para a pura e simples conjunção carnal e não como manifestação da comunhão de almas.
A sinopse revela uma história simples: homem está com sua atual mulher por “obrigação”, mas lembra-se com muita saudade, ardor e angústia do grande amor de sua vida, de quem acabou se separando. Para muitos, o que fica é a costura dessa trama com cenas de sexo com direito a closes de órgãos genitais. E, consequentemente, a ideia de que é um “pornô com roteiro”. Para outros, no entanto, o que pode permanecer, entre tantas coisas, é a alta carga de autorreferência e metalinguagem que a obra carrega.
São muitos os elementos e situações que evocam referências ao próprio filme e/ou ao cinema em geral.
São muitos os elementos e situações que evocam referências ao próprio filme e/ou ao cinema em geral: há uma brincadeira com o nome do diretor; Murphy é um aspirante a cineasta que ama 2001 – Uma Odisseia no Espaço e transita entre pôsteres de filmes.
O protagonista faz uma autoanálise a respeito do próprio talento; e, sobretudo, a certa altura, o filme questiona, através de Murphy, “por que o cinema não mostra a sexualidade sentimental”. Expor a “sexualidade sentimental”, o sexo como amor, é justamente tudo o que Love pretende, algo que já fica escancarado no próprio título.
Fora tudo isso, pode-se dizer que Gaspar Noé foi um tanto quanto narcisista nesta obra. Além de brincar com seu nome e, inclusive, compor a lista de atores, o diretor presta homenagem a outro exemplar de sua filmografia tão – ou mais – polêmico quanto Love. Alguém esqueceu de Irreversível (2002) e de sua comentadíssima cena de estupro em um túnel? Pois Love, mesmo que rapidamente, faz referência a ela. Memórias marcadas com a cena de 2002 dificilmente deixarão passar despercebida a conexão entre uma e outra.
Além disso, tanto em Irreversível quanto neste outro filme, Gaspar Noé usa e abusa do vermelho, essa cor tão representativa para evocar paixão, amor e desejo. Nada mais coerente em um filme que transpira – e transborda! – paixão, amor e desejo. Mas, também, angústia, arrependimento e carência. Love, enfim, é para poucos. O barulho ao seu redor confirma isso.
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