O protagonista do filme argentino Ninguém Está Olhando (2017) é um teimoso. Nico (Guillermo Pfening) insiste na estratégia de projetar para todos que conhece (sua mãe, inclusive) a imagem de que está tendo muito sucesso em sua carreira de ator em Nova York. Ele, que saiu de Buenos Aires após ganhar fama em uma série local, busca compor o elenco de um filme nos Estados Unidos, bem como fazer testes para tudo que possa alçá-lo da posição de ator latino para respeitado artista do entretenimento em terras ianques. É o que busca, nem de longe é o que consegue.
O roteiro tem toda uma preocupação em demonstrar o quanto ele não consegue. Mas isso sem qualquer excesso, sem qualquer ausência de verossimilhança e sobriedade. A produção, aliás, tem um ritmo lento permanente, uma espécie de indicativo de como a própria vida do protagonista transcorre.
Existe, além da tentativa de projeção na carreira, outro motivo para a saída de Nico do país natal. E esse motivo tem nome bem definido: Martín. Martín, interpretado por Rafael Ferro, é o produtor da série argentina de sucesso que deu reconhecimento a Nico. Os dois tiveram um caso no passado, mas, em razão de uma situação bem específica envolvendo Martín, Nico desencantou-se com o relacionamento e fez da viagem para Nova York também uma fuga do seu passado sentimental.
Essa fuga e o desejo de ascensão custam caro. Nico sobrevive com trabalhos temporários. Sua maior ocupação, enquanto espera notícias positivas em sua área específica de atuação, é ser babá do filho de uma amiga. O filme da diretora argentina Julia Solomonoff é bastante competente em traçar o fracasso do ator argentino que tenta iniciar um novo capítulo de sua vida em Nova York.
O filme dirigido por Julia Solomonoff é assim: cheio de sutilezas, sem qualquer excesso e tudo construído com uma capacidade imensa de realmente acontecer na vida real.
Um exemplo dessa competência está na cena na qual Nico fica olhando para as águas enquanto os prédios tomam todo o fundo do enquadramento. Isso acontece logo após ele receber a notícia de que a realização do seu tão esperado filme foi mais uma vez adiada por problemas envolvendo exigências dos investidores no projeto. A imagem tem uma força narrativa muito grande porque materializa a desolação que se imagina que o personagem esteja sentindo naquele momento.
A decadência de Nico nos Estados Unidos flui de maneira triste até desembocar em uma cena bastante sutil, mas que, ao mesmo tempo, representa o auge do fracasso do protagonista. Seu reflexo aparece desfocado em uma vitrine e, logo em seguida, ele espirra, demonstrando um possível resfriado ou uma gripe, até. Nico está doente. Não apenas da alma.
O título do filme remete tanto à “invisibilidade” do protagonista em Nova York quanto a uma cena rápida (mas bastante importante e cheia de significado) do seu reencontro com Martín envolvendo um chão coberto de grama, um óculos de sol e um quase afago (ou algo mais).
O filme dirigido por Julia Solomonoff (com direito a uma participação discreta da diretora do documentário Democracia em Vertigem, Petra Costa, no elenco) é assim: cheio de sutilezas, sem qualquer excesso e tudo construído com uma capacidade imensa de realmente acontecer na vida real. É competente a verossimilhança do roteiro com o que se sabe (ou se imagina) que acontece com tanta gente que tenta pôr em prática o sonho do sucesso em terras estadunidenses. Todas essas qualidades, somadas à interpretação contida e competente de Guillermo Pfening, fazem de Ninguém Está Olhando um filme que, sim, merece ser olhado.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.