Nos anos 1980, os filmes com adolescentes – ao estilo Conta Comigo, de Rob Reiner – cativaram plateias do mundo todo, entregando histórias no gênero coming of age com as quais muita gente conseguia se identificar. Recapitular esse estilo nos dias de hoje também é uma forma de capturar o saudosismo de um tempo supostamente mais simples e para o qual, por isso, sempre desejamos voltar. É um pouco essa a pegada de O Último Episódio, nova empreitada da produtora Filmes de Plástico, com direção de Maurílio Martins.
O episódio referido no título nada mais é do que o grande mistério das crianças que cresceram vendo Xou da Xuxa: a existência (ou não) de um último capítulo do desenho animado “Caverna do Dragão”, que exibiria a fatídica conclusão sobre se os personagens finalmente voltariam para casa.
A escolha por Dungeons & Dragons (jogo de RPG que inspirou a animação) não se dá por acaso na trama do filme. Afinal, o protagonista, Erik (papel de Matheus Sampaio) parece sonhar em voltar para um lar que não existe mais. Morador de Contagem, em Minas Gerais, ele divide a casa com a mãe – seu pai faleceu recentemente e Erik sabe pouco sobre ele.
Ambientado em 1991, O Último Episódio conta as desventuras não apenas de Erik, mas de seus amigos inseparáveis, Cassinho (Daniel Victor, excelente) e Cristão (Tatiana Costa). Eles tentam atravessar a adolescência enquanto vivem pequenos grandes dramas, como a ortodoxia religiosa na família e o afastamento da mãe que deixou a filha para ser criada pela avó, e supostamente foi buscar uma vida melhor nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, o trio descobre novos desejos que se sinalizam em uma vida que existe lá fora. Para tentar conquistar uma menina, Erik, por exemplo, mente que tem em casa a tal fita VHS com o final do desenho mais amado de todos. Mas como todo mundo que já viu um filme sobre crescimento sabe bem, as dores do fim da inocência são inevitáveis.
‘O Último Episódio’: o sabor agridoce da nostalgia
Desde a primeira cena, sacamos que a chave de O Último Episódio é investir na nostalgia latente em quem foi criança pelo início dos anos 1990, o que é alimentado por meio de uma produção cenográfica esmerada: há muitos objetos saídos diretamente desta época, incluindo as marcas que aparecem nas roupas que os atores vestem e que eram febre entre os adolescentes.
É impossível não se regozijar a cada vez que uma dessas referências é reconhecida. Pessoalmente, me comoveu a recuperação dos usos familiares que eram feitos com as câmeras VHS Panasonic, em uma relação comunitária que gerava imagem das famílias completamente diferente do que ocorre hoje, com os smartphones, que banalizaram a quantidade de registros disponíveis. Há alguns detalhezinhos adoráveis no roteiro, como quando um adolescente menciona a banda R.E.M. como “Rem”, aportuguesado mesmo. Puro suco de uma infância no Brasil sem internet e ainda sem MTV.
O Último Episódio ganha força à medida em que se afasta do elemento central do roteiro e passa a trazer questões mais profundas.
Mas, como o filme de Martins parece nos dizer, há uma ilusão em lembrar o passado como um lugar melhor. O Último Episódio ganha força à medida em que se afasta do elemento central do roteiro (a tal fita de “Caverna do Dragão” – que é só uma desculpa, assim como a paixonite de Erik pela menina que ele quer agradar, que não nos convence em nenhum momento) e passa a trazer questões mais profundas para jogo.
Os três adolescentes são defendidos com muita bravura pelos jovens atores, que parecem realmente saídos daquela década. Cada um deles aponta a um tipo de conflito ou abandono a que precisam ajustar em suas vidas, de modo a poder passar para a próxima fase. Os traumas fazem parte desse processo, o filme parece dizer, e as despedidas precisam ser encaradas.
Mesmo sendo bastante simpático, uma possível fragilidade a ser apontada no filme é que ele não traz exatamente novidades ao gênero. Soa um pouco como se Anos Incríveis ganhasse uma refilmagem no interior de Minas. Ainda assim, o público que for assisti-lo, caso mergulhe na sua proposta, deve sair empolgado. Afinal, ele reverencia um passado idílico que não necessariamente existia.
Parafraseando o escritor Milan Kundera, “a memória não guarda o passado; ela o recria”. São esses anos 1980 idealizados, e acríticos, que aparecem em O Último Episódio, tornando-o, com o perdão da referência, um ótimo remember da Sessão da Tarde.
Por fim, não deixe de prestar atenção na fabulosa trilha sonora, com direito a Fernanda Takai, do Pato Fu, cantando uma música de Kátia (popularizada como “Kátia Cega”). Um deleite.
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