Quando o assunto são prêmios, como o Oscar e o do Sindicato dos Atores (SAG), há uma certa tendência a se valorizar atores que passam por grandes transformações físicas para interpretar personagens históricos, cujas imagens estão coladas no imaginário coletivo.
Só neste século 21, não faltam exemplos: Marion Cotillard, como a cantora francesa Edith Piaf, em Piaf – Hino ao Amor; Meryl Streep, no papel da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, em Dama de Ferro; Daniel Day-Lewis, encarnando o presidente norte-americano Abraham Lincoln, em Lincoln; Gary Oldman, vivendo o premiê do Reino Unido Winston Churchill, em O Destino de uma Nação; e Renée Zellweger, como a atriz e cantora Judy Garland, em Judy – Muito Além do Arco-Iris.
Todos esses atores foram premiados com o Oscar, e na maior parte das vezes, o filme levou o prêmio de Melhor Cabelo e Maquiagem, tamanha a importância dada à dita e cuja transformação, tão valorizada.
Neste ano, tanto o favorito a melhor ator, Will Smith, por King Richard, quanto a atriz, Jessica Chastain, pela cinebiografia Os Olhos de Tammy Faye, se encaixam perfeitamente nessa categoria de composição, tão apreciada pela Academia de Hollywood. Neste texto, falarei sobre o segundo.
A televangelista Tammy Faye Bakker é figura pouco conhecida pelos brasileiros, o que também explica o fato de Os Olhos de Tammy Faye não ter chegado aos cinemas por aqui. O canal de streaming Star+ o exibirá no Brasil.
Com direção de Michael Showalter, revelado pelo ótimo Doentes de Amor, de 2017, o filme retrata a jornada, de sua protagonista, que vai do céu ao inferno, desde a infância, no estado de Minnesota.
Filha mais velha de uma família evangélica bastante conservadora, Tammy Faye, ainda na infância, já demonstrava ter uma personalidade vaidosa e performática, o que sempre desconfiou sua mãe, a estoica Rachel, vivida no filme pela ótima Cherry Jones, da série Succession.
Já na universidade, ela conhece Jim Bakker (Andrew Garfield, de Tik, Tik… Boom), aspirante a pastor, ambicioso como ela. Os dois se casam no início dos anos 1960 e, na década seguinte, lideram a série de televisão religiosa The PTL Club, entre 1976 e 1987, que lhes rende fama e fortuna. Mas não apenas às custas da fé.
Coprodutora do filme, Jessica Chastain, que merecia ter vencido o Oscar de melhor atriz por A Hora Mais Escura, em 2014, se entrega de corpo e alma a sua transformação em Tammy Faye.
Bakker, por conta do carisma de Garfield, um dos melhores atores de sua geração, parece ser um sujeito cativante. Aos poucos, no entanto, sua máscara cai: movido por sua ambição e, por conta da vulnerabilidade emocional de Tammy Faye, ele acaba arrastando a esposa ao fundo do poço.
O telepastor constrói um império à base de estelionato e outros tipos de falcatruas e, como a esposa tem enorme popularidade junto aos fiéis, sendo, portanto, essencial ao seu esquema, Bakker não a deixa para trás, mesmo vivendo vários casos homossexuais paralelos a seu casamento.
Tammy Faye, pelo menos no filme, é uma personagem marcada pela ambiguidade. Ao mesmo tempo em que pode parecer fútil, frívola até, também é capaz de atos de extrema empatia e humanidade, como quando, nos anos 1980, acolhe publicamente um pastor gay, doente de Aids, enquanto o mundo do televangelismo, retratado pelo filme como um ambiente sórdido e muito corrupto, quer execrá-lo. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Como é, pouco a pouco, negligenciada pelo marido, Tammy mergulha na depressão e se torna dependente de remédios psicotrópico, transformando-se numa espécie de caricatura de si mesma – ela chega a tatuar sobrancelhas, linhas delineadas em torno dos lábios e dos olhos, sem jamais tirar os cílios postiços.
Coprodutora do filme, Jessica Chastain, que merecia ter vencido o Oscar de melhor atriz por A Hora Mais Escura, em 2014 (perdeu para Jennifer Lawrence), se entrega de corpo e alma a sua transformação em Tammy Faye. Ela busca se parecer com a personagem nos mínimos detalhes, do auge à decadência, em uma atuação sob medida para os padrões da Academia, bem mais exuberante do que as composições bem mais sutis (e menos óbvias) de Penélope Cruz, em Mães Paralelas, ou Kristen Stewart, em Spencer.
No todo, Os Olhos de Tammy Faye é uma competente, porém pouco ousada cinebiografia, de uma personagem fascinante, maior do que a vida. É um veículo eficiente para o talento de sua protagonista, já vencedora do SAG e o Bafta por sua atuação, que será recompensada.
Ah, em tempo: o filme é favorito ao Oscar de Melhor Cabelo e Maquiagem.
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