Depois do sucesso estrondoso de La La Land – Cantando Estações, todos ficamos curiosos para saber qual seria, e como seria o próximo trabalho de Damien Chazelle. Emplacando seis estatuetas do Oscar com seu musical, inclusive a que o tornou o vencedor mais jovem da história da categoria de melhor diretor, com apenas 32 anos, Chazelle se confirmou como um dos nomes mais badalados de Hollywood. Em seu mais novo trabalho, O Primeiro Homem, o cineasta repete a parceria com Ryan Gosling no papel principal, mas envereda para uma temática totalmente nova em seu repertório. Em seu quarto longa, Chazelle prova não só sua capacidade de ser bastante intimista, mas também que é possível usar a estética para celebrar marcos históricos.
Baseado no livro de James R. Hansen, o filme mostra o recorte biográfico do astronauta Neil Armstrong (Gosling), entre os anos de 1961 e 1969, desde que se inscreveu para o projeto Gemini – embrião das missões Apollo -, até se tornar o primeiro homem da história a pisar na Lua. Lidando com traumas pessoais, e, muito por conta disso, se tornando obstinado por seu trabalho, Armstrong, pouco a pouco, se torna o principal responsável e figura mais importante na missão da agência espacial.
O longa tem a ousadia de tornar secundário um feito tão histórico, principalmente para os Estados Unidos, e ter como essência narrativa a total imersão no personagem de Gosling. Valorizando a pessoalidade, o roteiro de Josh Singer é o retrato de como Neil Armstrong se coloca diante de suas tarefas enquanto lida com a morte de sua filha mais nova e ainda vê muitos de seus companheiros de trabalho morrendo em missões fracassadas.
A progressão dos percalços enfrentados, cria, inevitavelmente, uma sensação de incompletude no astronauta -magistralmente evocada pelos olhares de Ryan Gosling-, por mais que estivesse alcançando algo considerado como um absoluto sonho. O confronto implacável entre o sonho e o vazio é, sem dúvida, uma marca dos personagens de Chazelle. Se em La La Land o grande feito era o estrelato hollywoodiano, aqui é o de chegar à lua.
O Primeiro Homem mostra, contundentemente, que é possível valorizar e enaltecer um feito histórico de novas formas, sem seguir os atalhos de um ufanismo barato ou propaganda nacionalista.
Com isso, o diretor assume o risco de contar a história basicamente a partir de primeiros planos. Revelando altíssima sintonia com seu ator principal, Chazelle cola a câmera no protagonista a todo momento, inclusive acompanhando-o com movimentos em diferentes velocidades, chegando até a segurar a câmera com as mãos nos momentos de maior emotividade, dando um aspecto invasivamente visceral à narrativa.
A subjetividade é mantida até no triunfal momento da primeira pisada na Lua, de forma que vemos sua superfície refletida no capacete do astronauta antes mesmo de a vermos propriamente dita, em um dos planos mais belos do filme.
Subvertendo a lógica tradicional de ir de planos abertos a planos fechados, e fazendo exatamente o contrário, o cineasta potencializa exponencialmente a força de seus excepcionais planos gerais, que aparecem pontualmente em momentos de total apequenamento humano e reforço da dificuldade e magnitude da missão.
Com imagens de um minúsculo módulo se deparando com uma imensa lua, ou de um esguio foguete se lançando à infinidade do espaço, o longa-metragem mostra, contundentemente, que é possível valorizar e enaltecer um feito histórico de novas formas, sem seguir os atalhos de um ufanismo barato ou propaganda nacionalista.
Como se não bastasse, os deslocamentos espaciais são acompanhados de arranjos de música clássica, compostos por Justin Hurwitz, em uma clara homenagem a Stanley Kubrick e 2001:Uma Odisseia no Espaço e um afago irônico nos entusiastas de teorias da conspiração. Tudo isso complementado pelas lentes precisas do diretor de fotografia Linus Sandgren, que conseguem criar um implacável sentimento de grandeza apenas pela forma de iluminar o rosto dos personagens.
A engenhosidade da câmera de Chazelle se justifica ainda mais em um roteiro que opta por fugir da narrativa de “um grande feito para o Estados Unidos” e explorar a importância da chegada do homem à Lua do ponto de vista humano, isto é, como isso muda as perspectivas para as pessoas de todos os lugares do mundo, utilizando programas de TV para mostrar a repercussão mundial e ainda os usando como diálogo explicativo de como funcionariam as missões. O grande defeito do roteiro de Josh Singer é o enfraquecimento desmedido de todos os outros personagens, na tentativa de fortalecer e mergulhar com profundidade em Neil Armstrong. Entretanto, o raro apelo ao sentimentalismo atribui uma necessária sobriedade ao longa.
Cheio de originalidade e feito com muita confiança, O Primeiro Homem é a prova do dinamismo de Damien Chazelle. Mantendo muitas de suas características, mas abrindo a caixa de ferramentas para ser inovador, o cineasta de 33 anos mostra que o espaço definitivamente não é o seu limite.
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