Quando lançado nos Estados Unidos, em dezembro de 2005, O Segredo de Brokeback Mountain era uma incógnita: ninguém sabia ao certo como setores mais conservadores e puritanos da sociedade, e da própria indústria cinematográfica, iriam recebê-lo. Passados quase 14 anos desde que entrou em cartaz, o longa-metragem do cineasta taiuanês Ang Lee (de As Aventuras de Pi) é hoje considerado um clássico contemporâneo, um divisor de águas quando se fala de representação de masculinidades no cinema e do gênero western.
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, também ganhou o Oscar em três categorias: direção, roteiro adaptado e trilha sonora original. Para muitos, sua derrota na categoria de melhor filme para Crash: No Limite, de Paul Haggis, é uma das maiores injustiças já cometidas pelo prêmio. O tempo, nesses casos, parece ter sido o melhor juiz.
Baseado em um conto da escritora E. Annie Proulx (vencedora do prêmio Pulitzer por Chegadas e Partidas), o filme de Lee, sucesso internacional de bilheteria, conta a intensa história de amor entre dois caubóis, ícone cultural e de masculinidade da civilização norte-americana e do próprio cinema, o que também explica muito do desconforto de setores mais reacionários em Hollywood. O veterano ator Ernest Bornigne (de Marty), para se ter uma ideia, chegou a fazer campanha aberta contra a premiação do filme.
O enredo tem início em 1963, quando os vaqueiros Jack Twist (Jake Gyllenhaal, de O Abutre) e Ennis del Mar (o australiano Heath Ledger, de Batman: O Cavaleiro das Trevas) são contratados para cuidar de um rebanho de ovelhas em Brokeback Mountain, região montanhosa e inóspita no estado de Wyoming. Isolados do mundo, os dois pouco a pouco vão se aproximando até perceber que sentem algo que transcende o mero companheirismo.
O que poderia ser apenas um idílio passageiro, no entanto, acaba se revelando uma paixão tórrida e de proporções épicas. Jack e Ennis se casam e têm filhos, mais ou menos seguindo as normas da ordem social em que estão inseridos. Não conseguem, contudo, dar as costas para o sentimento que os une e, ao longo de duas décadas, mantêm encontros furtivos e periódicos, sempre no mesmo lugar: Brokeback Mountain.
Ang Lee, a exemplo do que Todd Haynes fez com o melodrama pós-modernista Longe do Paraíso, se apropria das convenções do western, um gênero hollywoodiano clássico, para subvertê-lo.
Ang Lee, a exemplo do que Todd Haynes fez com o melodrama pós-modernista Longe do Paraíso, se apropria das convenções do western, um gênero hollywoodiano clássico, para subvertê-lo.
Estão lá as paisagens monumentais, enquadradas em grandes planos abertos, o confronto entre o mundo civilizado e as forças da natureza e o sentimento de companheirismo e parceria reinante em um universo eminentemente masculino.
Só que Lee dá um passo à frente ao transformar seu filme de caubói em um drama romântico e arrebatado, aos moldes de O Morro dos Ventos Uivantes e … E o Vento Levou. Não há como ficar indiferente a essa ousadia.
Da impressionante fotografia do mexicano Rodrigo Prieto (de Amores Brutos) à trilha sonora ao mesmo tempo lírica e minimalista do argentino Gustavo Santaolalla (de Diários de Motocicleta e Babel), Brokeback Mountain é um filme impecável, esplêndido em todos os aspectos.
Sua força, entretanto, vem, sobretudo, das atuações de Ledger, morto em 2008, Gyllenhal e Michelle Williams, esplêndida no papel de Alma, mulher de Ennis. À época astros em ascensão, os dois atores principais demonstraram coragem incomum em astros hollywoodianos, ao desafiar suas imagens públicas e aceitar papéis recusados por muitos.
A ousadia parece ter valido a pena. Fizeram um dos melhores filmes do século 21 e hoje um marco na história do cinema, que merece ser visto e revisto.
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