Solange Corthis (Chantal Lauby), Sol para os íntimos, é uma cantora de tango muito famosa em Buenos Aires. Chega a ser reconhecida, até além-mar, nos redutos do gênero musical em Paris. E é da capital argentina para a capital francesa que ela parte muito decidida a curar um trauma do passado. Ela e seu único filho estavam brigados e não tiveram tempo de resolver as diferenças antes de ele morrer em um acidente.
Agora, o plano de Sol é desembarcar em Paris para conhecer o neto Jo (Giovanni Pucci). Ela não espera ser bem recebida pela nora Eva (Camille Chamoux) e, num segundo, inventa uma história para reaproximar-se. Já que as duas nunca se conheceram, Sol diz que é uma das interessadas em alugar um dos quartos de Eva. Assim, terá tempo para conectar-se com nora e neto sem uma eventual resistência inicial. O problema é a mentira.
Sem razão para preocupar-se com dinheiro, Sol não escuta ninguém, é muito dona de si e invasiva. Por outro lado, também é cheia de vida e entusiasmo, engraçada e generosa. Eva é bastante sistemática, algo que ela desenvolveu, ao que parece, para ser uma boa mãe sem marido para o pequeno Jo. Trata-se de uma mulher cheia de regras, para si e para os outros. Chegou a elaborar, por exemplo, uma apresentação no computador com as regras para a interessada em alugar seu quarto.
Parte desse cuidado de Eva, é verdade, advém do fato de ter uma vizinha muito, muito chata em relação a barulho. Todo o ambiente em que ela reside é uma espécie de metáfora de vida apagada e regrada que leva. A pouca luz que ilumina a sua vida provém do pequeno Jo que, destaque-se aqui, é magistralmente interpretado pelo pequeno Giovanni Pucci, um primor de ator. Seu trabalho de interpretação é um show à parte nesta produção da diretora Jézabel Marques que leva o nome de como a protagonista gosta de ser chamada, Sol (2020).
O entrelace técnico e artístico muito bem feito entre a perfeição e a imperfeição na construção dos personagens e suas relações (uma característica tão comum nas produções francesas) está bastante presente. Trata-se de um verdadeiro brinde à verossimilhança.
E o filme Sol é isto: uma competente mostra da dinâmica do relacionamento entre as duas mulheres e o amável Jo. O entrelace técnico e artístico muito bem feito entre a perfeição e a imperfeição na construção dos personagens e suas relações (uma característica tão comum nas produções francesas) está bastante presente. Trata-se de um verdadeiro brinde à verossimilhança.
Acompanhar um filme francês, não raras vezes, é como ver a vida deslizar diante dos olhos, esquecendo-se que existe todo um roteiro, uma direção musical, um trabalho de fotografia e direção de arte capazes de seduzir, encantar e emocionar. Sol é exatamente assim. Mergulhando na verossimilhança, o filme é um oceano de delicadezas em todos os aspectos, misturando com sutileza o fazer chorar e o fazer rir. São várias as cenas cômicas, como aquela em que Sol e Eva discutem disfarçadamente chamando uma à outra de “cigarra” e “formiga” diante de um Jo que não entende o que se passa. Ou as cenas da incursão desastrada de Eva nas aulas de tango, um perigo para os homens.
O tango, aliás, como expressão de paixão, melancolia e sensualidade, marca forte presença. Esse tripé permeia a narrativa. Mesmo que, no caso do último elemento, seja mais a ausência que a presença que se destaque. Afinal, ferida há anos pela perda precoce do marido, Eva precisa redescobrir sua própria sensualidade.
O único porém desta produção francesa inspirada é a apologia ao tabaco, com a inserção insistente dos acordes de uma versão de “Fumando Espero”, de Carlos Gardel. Com tantas letras e músicas lindas do tango argentino, bem que a direção poderia ter selecionado outra.