Se há uma tendência evidente neste início da segunda década do século XXI é o conceito de multiverso, seja no cinema, na televisão ou na literatura. Em tempos de pandemia, de guerra e de polarização política ao redor do mundo, faz sentido que, pelo menos no âmbito da ficção, existam dimensões paralelas, uma vez que aceitar que nos resta apenas esta realidade pode ser uma perspectiva desalentadora.
Surfando nessa onda, o filme Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, roteirizado e dirigido pela dupla formada pelos cineastas Daniel Kwan e Daniel Scheinert, que se apresenta como “The Daniels”, é uma das grandes surpresas do cinema neste ano. O título está em cartaz no Brasil.
O longa-metragem de Kwan e Scheinert, norte-americanos na faixa dos 30 anos, diretores do cult Um Cadáver para Sobreviver (2016), vencedor do prêmio de melhor direção no Festival de Sundance, já rendeu perto de US$ 92 milhões ao redor do mundo e arrisca estar entre os indicados ao Oscar 2023. Figura nas listas de muitos críticos como um dos melhores lançamentos deste ano. Mas, cá entre nós, é bom mesmo ou, literalmente, muito barulho por nada? Bem, depende do que você busca no filme.
O longa-metragem de Kwan e Scheinert já rendeu perto de US$ 92 milhões ao redor do mundo e arrisca estar entre os indicados ao Oscar 2023.
A estrela malasiana Michelle Yeoh (de O Tigre e o Dragão e Podres de Rico) é a protagonista, Evelyn Wang, uma imigrante chinesa nos Estados Unidos, dona de uma lavanderia (um clichê, é bem verdade), amargurada com seu cotidiano, repleto de tarefas e obrigações que não lhe proporcionam qualquer satisfação ou prazer.
Essa sensação de absoluto vazio existencial não se restringe ao trabalho. O casamento de Evelyn parece ter chegado ao fim: ela e o marido estão prestes a assinar os papéis do divórcio. Mas seus problemas familiares não param por aí.
Ao mesmo tempo em que tenta manter as aparências de que tudo vai bem com seu pai, um senhor conservador que não fala inglês, tradicionalista e bastante ranzinza, a personagem bate de frente com a filha lésbica, uma jovem com fortes crises de ansiedade por se sentir dividida entre duas culturas completamente diferentes.
Evelyn está à beira de um colapso nervoso quando se dá conta de que pode ser processada e presa, ao cair na malha fina da receita americana, personificada por Deirdre (Jamie Lee Curtis, da franquia Halloween), funcionária pública com evidentes atitudes racistas e xenófobas que, de certa forma, personifica os Estados Unidos republicano e trumpista.
Quando Evelyn e Deirdre se confrontam, Waymond, o marido da dona da lavanderia vivido pelo vietnamita Ke Huy Quan (ator-mirim de Os Goonies) abre o primeiro portal para uma dimensão paralela.
Aparentemente pacato, quase abobalhado, ele a surpreende, desencadeando uma série de lutas marciais inacreditáveis. Tudo para evitar a prisão da esposa. E mais: ele explica a Evelyn que ela precisa ser treinada para conseguir ingressar no multiverso, uma vez que somente ela será capaz de combater e eliminar um demônio chamado Jobu Tupaki.
A esta altura da trama você, como espectador, terá chegado a uma encruzilhada. Ou você embarca nesse redemoinho onde nada parece fazer muito sentido ou desiste da jornada.
Confesso que, em um primeiro momento, pensei em desistir porque, de maneira geral, não gosto de narrativas frenéticas, construídas por meio de sequências infindáveis de ação, que não nos deixa pensar, mas Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tem, sim, seu fascínio, sobretudo do ponto de vista formal.
Embora a trama, no limite do absurdo, não tenha a pretensão de ser transcendente, ainda que seja instigante, o filme é um espetáculo audiovisual. Da encenação das cenas de luta à montagem, o filme desafia os sentidos, a noção de tempo narrativo, e sempre com bastante humor. E Michelle Yeoh prova a sua versatilidade como atriz, trazendo, ao mesmo tempo, vigor físico e tridimensionalidade emocional à protagonista de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
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