É normal em período de eleição o município ser apresentado por duas perspectivas: uma totalmente pessimista, em que tudo é motivo para crítica, e em outra um paraíso, onde reina a perfeição.
Não à toa, a primeira visão é apresentada pela oposição enquanto a segunda é defendida por quem está no governo.
Nesse ano, entretanto, a situação é um pouco diferente, já que entre os dois principais candidatos estão o atual prefeito e outro político que ocupou o mesmo cargo há duas décadas. Com isso, a imagem que recebemos é a de dois diferentes cartões postais enquanto os postulantes tentam encontrar falhas na imagem vendida pelo outro.
Sabemos. Nada é tão ruim e nem tão bom.
Mas melhor do que nós, quem sabe enxergar a urbe com olhar clínico são os artistas, que veem o espaço urbano com ponto de vista crítico e lírico.
Assim é com o grupo de rap curitibano Mentekpta e o escritor também curitibano Luís Henrique Pellanda, que em suas obras mostram uma cidade que não está no horário eleitoral.
Lançado no ano do último pleito municipal (2012), o disco ACadaMetroFobia traz em sua gênese o rapcore que marca a sonoridade do grupo e serve como uma forma de compor o cenário versado e desmistificado na faixa “Do Outro Lado da Boca Maldita”.
Com participação de Diequison Sterio e produzida pela dupla Frates, a faixa contou com a colagem de uma música clássica no cenário local, “Curitiba”, de Marcos Prado, Thadeu Wojciechowski e Walmor Góes, incluída no disco Bar Babel do Maxixe Machine.
‘Escuta atentamente, só degusta a mente prove / onde cresce idealista e pouco a cultura se move / esculpido nas calçadas a história se renova / produto ainda bruto os astuto tem a prova’ – Mentekpta – ‘Do outro lado da boca maldita’.
Assim, o grupo de rap formado por Quadrado e Thestrow, também integrante do Inthefinityvoz, apresenta uma música disposta a desmistificar a cidade modelo. E para fazer isso ela usa justamente os seus pontos turísticos para mostrar que a capital não é assim tão bonita quanto parece.
Dessa maneira, o Museu Oscar Niemeyer é visto como o olho gordo que se transforma em ícone arquitetônico enquanto que o cantor convidado se vê como “mais um bobo da corte nesse palácio avenida”.
Ao constatar que a cidade cresceu e com ela cresceram também os problemas, o grupo mostra que nós “exportamos falsa imagem” por meio de uma “paisagem maquiada” enquanto que a sua população sofre com “terminais sempre entupidos na hora que mais precisa”. Mas, além disso, o fato de Curitiba estar entre as cidades mais desiguais do Brasil e do Mundo de acordo com a ONU também se reflete na letra (“Rua das flores mortas de petit pavê lascada / Arteiros invisíveis residentes de calçada / paisagem maquiada, mentkpta ou leprosa / ranhentos e senhoras jogadas na Rui Barbosa / esnoba a senhora charmosa, toda minunciosa”).
Essa visão do grupo que tem seus integrantes como residentes no bairro fazendinha pode ser vista como complementada pelo escritor Luís Henrique Pellanda, que em seu novo livro, Detetive à deriva, apresenta novamente as suas constatações a partir de um morador do centro, mas que, claro, são representativas de todo o município e da universalidade, já que ainda que o cenário mostrado por ele seja curitibano, como a encruzilhada das almas e dos anjos da Monsenhor Celso com a XV, as suas reflexões dizem respeito a qualquer outra localidade.
E se os rappers se valem das imagens pré-concebidas para conceber um novo significado, Pellanda usa os seus personagens para tornar Curitiba uma cidade mística e também desmistificá-la.
Isso ocorre porque o autor, que já foi finalista do Prêmio Jabuti e do Portugal Telecom, usa sua visão aguçada para encontrar e dar nova roupagem a personagens que seriam pessoas “comuns”. Nós, apressados e sem olhar ou falar com ninguém, jamais perceberíamos estar vivendo ao lado das criaturas fantásticas que Pellanda encontra, como o Dragão da São Francisco ou o Pinóquio da Tiradentes.
Mas, além do olho treinado para as pessoas que lhe servem de inspiração, o autor tem também uma apurada técnica para transformar por meio da sua linguagem o mais simples acontecimento em algo lírico, como tornar a queda de uma senhora bêbada na fonte da praça Generoso Marques em uma crônica sobre a lua, nos tornando seu cúmplice da mesma maneira que o eu lírico/autor/narrador se identifica com os urubus que o visitam na modesta cobertura da Ébano Pereira.
Dessa maneira, tanto macro quanto micro, Mentkpta e Luís Henrique Pellanda mostram que para conhecer a cidade é necessário estar diariamente com os pés na rua, seja no centro ou no fazendinha.