A cidade é sua desconhecida. Sozinho, em meio à massa, tenta se comportar como um morador local, mas é inevitável que cada canto desperte um misto de encanto e estranhamento. Há receio, mas há também a vontade de desbravar.
Busca, sem ser notado, olhar o máximo de pessoas que puder. Para isso, o banco encostado à parede traz segurança. Depois de diagnosticar todos que estão no vagão, o que lhe traz conforto e alívio, virá outra estação.
Você vai continuar. No entanto, gritos trazem incômodo e medo.
Você não sabia que tinha jogo. Não sabia que essa linha seria usada por eles. E não sabia que as cores que você usava são do time rival daqueles que acabam de entrar no trem. E te bater. E te socar. E te chutar. E te espancar. E te apagar.
Muitas vezes as cores de um clube são usadas para que intolerantes se disfarcem de torcedores e usem isso como pretexto para transformar o outro em inimigo, embora ele seja só alguém que teve uma opção diferente da sua.
É assim no futebol e é assim na política, em que a “lógica” futebolística foi aplicada para dividir “PTralhas” e “Coxinhas”.
Existem só dois lados?
Sim!
Mas não!
‘…não dá para ser de direita por causa de uma suspeita. Até porque nós somos periféricos, como vamos ser de direita?’ Ice Blue (Racionais Mc’s)
É a democracia. Pode parecer incoerente, já que de ambos os lados do muro têm pessoas condenáveis, mas é preciso escolher uma posição.
Entre aqueles que são a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff há, por exemplo, quem apoie a volta da ditadura militar, quem não aceite que seu candidato perdeu as eleições, quem se diga contra a corrupção em todos os níveis, quem defenda o juiz Sérgio Moro como um herói e quem defenda a saída da presidenta por acreditar que o Brasil vai melhorar sem ela. Enfim, há diferentes pensamentos de quem se encontra no mesmo grupo.
Dentro do movimento hip-hop, quem se posicionou deste lado foram os MC’s Buddy Poke, Caio Kacurin, Estudante, Gok e o MC Maomé, um dos integrantes do conhecido grupo Cone Crew Diretoria. Por meio de um vídeo postado em Abril do ano passado eles chamaram o povo às ruas ao lado do ator Márcio Garcia.
Por outro lado, aqueles tachados de “PTralhas” são unidos pelo fato de serem contra o impeachment, mas como aqueles que são a favor, há muitas diferenças entre eles. Há quem não veja as pedaladas fiscais como justificativa para tirá-la do cargo, há quem seja contra a operação Lava Jato, há quem se posicione em oposição ao governo Dilma, mas contra o impedimento e há quem tenha muito a temer com a sucessão presidencial.
Estar de um lado não significa necessariamente apoiar Eduardo Cunha, embora as pessoas que o defendam estejam lá. Da mesma forma, estar em outra posição não significa ser um defensor de Lula, embora os seus zagueiros estejam assim posicionados.
Por esses e outros motivos é importante que os artistas se manifestem e demonstrem qual é a sua posição.
É o caso de Mano Brown, líder dos Racionais MC’s, maior grupo de rap do Brasil, que em entrevista à rádio Band News FM no último dia 08 se disse contra o impeachment e falou que quem o defende não está interessado na melhora do país. Por outro lado, Brown também declarou que os culpados devem pagar pelos seus erros, seja Lula, Dilma ou quem quer que seja.
Como Brown, outro integrante dos Racionais, Ice Blue, também deu a sua opinião em entrevista ao UOL. Tal qual o líder do grupo, Blue concorda que o Governo Lula trouxe progressos e aponta a sua origem como fator determinante para se manter à esquerda. “Tem muita gente que é da esquerda que está envolvido e está decepcionado, mas não dá para ser de direita por causa de uma suspeita. Até porque nós somos periféricos, como vamos ser de direita?”.
Também em entrevista, Eduardo Taddeo, ex-Facção Central, mostrou posicionamento semelhante ao dizer que não é favorável a nenhum partido, nem à corrupção, mas é contra a deposição:
Já de maneira espontânea, Criolo, Emicida e Flávio Renegado fizeram parte um vídeo intitulado #TodosPelaDemocracia, em que, ao lado de diversos outros artistas, se posicionam contra a retirada da presidenta.
Nas mobilizações o hip-hop se fez presente no festival #MúsicaPelaDemocracia com shows gratuitos no Largo do Batata em São Paulo com a participação do também integrante do Racionais, Kl Jay, e outros artistas de renome como Rashid, B Negão Trio, Rincon Sapiência, Black Alien, DJ Craca e Dani Nega, Rodrigo Ogi e a MC mirim Soffia. O evento também chamado de #OcupeaDemocracia contou ainda com a participação do escritor Sérgio Vaz.
Outras manifestações também ocorreram por parte de Rappin’ Hood, Yzalú e da página Bocada Forte, o mais antigo portal de hip-hop do Brasil, que divulgou um editorial mostrando o seu posicionamento frente aos fatos políticos do país.
Ainda de forma textual, diversos representantes do movimento assinaram a “Carta do Hip-Hop Brasileiro à Democracia” na qual, entre outras considerações, declaram que “Sempre que a Globo, a Veja, a Folha, a polícia e todos esses filhos da ditadura estiverem de um lado, pode acreditar, nós estaremos do outro lado, do seu lado”. Entre os signatários estão nomes bastante representativos como os MC’s Kamau e Rúbia RPW, a Back Spin Crew e o pai do hip-hop no Brasil, Nelson Triunfo.
Já de maneira musical, Flávio Renegado divulgou ao lado do cantor Tico Santa Cruz e a banda Detonautas a música “O Morro Mandou Avisar”, na qual se posicionam contra o impeachment.
Após o final de todo o processo, seja qual for o desfecho, fica registrado quais foram os artistas que se manifestaram diante do momento mais importante do país nos últimos anos.
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