O ano de 2017 trouxe consigo novos ventos. Contudo, eles não aparentam ser os melhores quando analisamos a Cultura em Curitiba. A chegada de Rafael Greca ao poder jogava uma cortina de fumaça sobre os rumos das artes na cidade. Ainda antes de assumir a prefeitura, Greca se viu em uma disputa política de bastidores. Favorito para a assumir a presidência da Fundação Cultural de Curitiba, Gehad Hajar, amigo próximo do atual prefeito, era indicação certa ao cargo. Ele não apenas havia ajudado Greca durante a campanha, como agiu de forma indireta no caso da Casa Klemtz, como apontou o jornalista Rogerio Galindo em seu blog Caixa Zero, em dezembro passado.
Sócio da Guairacá Cultural e um dos organizadores do Festival de Ópera do Paraná, Hajar foi preterido na disputa ao cargo, em uma indicação política feita pelo prefeito, ficando a presidência com Maurício Appel – ainda que ele tenha negado veementemente. Coordenador do Ateliê João Turin e produtor do longa-metragem O Preço da Paz (2003), Appel assumiu uma pequena bomba na mão: a gestão do ex-prefeito Gustavo Fruet revogou o edital “Categoria Livre” do Fundo Municipal de Cultura; a gestão do atual prefeito cancelou a Oficina de Música; a Fundação Cultural de Curitiba tinha, segundo informações do próprio Appel, um rombo entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. Somava-se a isso o orçamento reduzido da pasta, que não chegou a atingir 1% da receita líquida – como promessa de campanha de Fruet em 2012 –, a centralização dos equipamentos culturais, editais de fomento “viciados” e o quadro de funcionários reduzido.
A bem da verdade, não era de se espantar que o prefeito Rafael Greca assumiria uma postura demagógica e faria da cultura a vítima necessária para consolidar a imagem de administrador preocupado com a população, numa clara demonstração de desprezo à importância da cultura como formador da identidade local e de posicionamento crítico dos cidadãos. Já em seu Plano de Governo, Greca era vago sobre suas intenções, mas nunca escondeu que sua prioridade era outra. E como bem sabemos, no Brasil, quando a situação aperta, é o orçamento da pasta de Cultura que é enxugado.
Cancelamento do pré-Carnaval e a verba das Escolas de Samba
O roteiro parece feito sob medida para uma história de terror. Appel havia enaltecido o prefeito chamando-o de “prefeito da cultura” durante a comemoração dos 44 anos da Fundação Cultural de Curitiba, no dia 5 de janeiro. Menos de uma semana depois, a Prefeitura de Curitiba informou que o pré-carnaval estava cancelado e reduziu a verba destinada às escolas de samba. O argumento: falta de recursos. “Tivemos que reduzir face à realidade que estamos passando”, afirmou em entrevista. “Existia uma previsão de recursos de R$ 750 mil, que seria inviável. Conseguimos R$ 539 mil. As escolas devem receber o dinheiro dias 3 ou 4 de fevereiro. É o que conseguimos dispor”, disse à época.
“Inviabilidade financeira sempre foi desculpa, de diversas gestões inclusive, para cortes na cultura. O que falta ao poder público municipal é o entendimento que a cultura é projeto de desenvolvimento humano, que a cultura vai além do entretenimento. A arte dos encontros, do diálogo, a diversidade cultural imensa que temos na cidade, reflexo da rica cultura brasileira. Quando existe cortes de verba, a cultura sempre é das primeiras a ser atingida”, afirmou Anaterra Viana, da comunicação do Garibaldis e Sacis, um dos blocos afetados com o corte de verbas.
O não direcionamento de verbas, se não configura descumprimento da Lei 14.156/2012, a chamada “Lei do Carnaval”, deixa claro que para esta gestão Cultura é apenas um número. “Existe, sim, um discurso demagógico de tirar da cultura para a saúde. Como se a pouca verba destinada a Oficina, por exemplo, pudesse suprir as necessidades da saúde. A cultura tem orçamento de menos de 1%”, comenta Anaterra. Chama a atenção, ainda, que a Lei Orçamentária Anual 2017 já havia sido aprovada na reta final de 2016, sendo sancionada no dia 21 de dezembro e aprovado o detalhamento de despesas em decreto do dia 27 do mesmo mês. Esta lei estima a Receita e fixa a Despesa do município para o exercício financeiro de 2017, e já havia deixado destinado à Fundação Cultural de Curitiba R$ 56.895.000,00 e R$ 13.467.000,00 ao Fundo Municipal da Cultura, totalizando R$ 70.362.000,00, valor irrisório se comparado ao orçamento da Saúde, por exemplo. É de se perguntar: a quem atende a demagogia do Poder Executivo?
A queda do presidente da FCC
Appel não durou até o fim do primeiro mês do novo governo. Reportagem da Gazeta do Povo revelou que ele estaria impedido de assumir o cargo. Condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por dano ao erário público, recebeu uma multa de R$ 42 mil e a obrigação de devolver os valores originais (R$ 250 mil), fruto de captação via lei de incentivo à cultura do projeto de produção do CD Serro Azul, trilha sonora do filme O Preço da Paz.
A nomeação de Maurício Appel contrariava a Lei Municipal da Ficha Limpa, que veda nomeação de pessoas condenadas, “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público. O agora ex-presidente da FCC afirmou que sua condenação não o impediria de assumir o cargo, já que não se tratava de um conselho de juízes. Mas havia mais. A própria Fundação move uma ação judicial contra Appel, por falta de prestação de contas do projeto cultural Serenatas com Músicas Folclóricas em Curitiba, de 2006. Desta forma, a posição do presidente da Fundação ficou insustentável, levando a que na quinta-feira, 19, Maurício Appel pedisse demissão do cargo.
Depois de cinco dias de incertezas, o prefeito Rafael Greca nomeou Marcelo Catani, secretário de comunicação social da Prefeitura, que assumiu a função de forma interina, enquanto a cúpula do governo busca um nome que possa assumir o cargo de maneira definitiva. Apesar do acúmulo de funções, Catani não receberá remuneração extra, de acordo com o decreto publicado no Diário Oficial do Município na terça-feira, 24.
A Cultura que sofre
Ainda não se sabe quem deverá assumir, mas é certo que a sequência de decisões tomadas pelo prefeito Rafael Greca na área cultural só tem reforçado a desvalorização pela qual a Cultura, agentes culturais e artistas vem sofrendo, um misto da perpetuação do discurso que os qualifica como vagabundos e do tratamento de entretenimento que as manifestações culturais recebem, apontadas como elemento supérfluo em tempos de crise.
Não fosse o suficiente (e nunca parece ser), Greca também estuda limitar o espaço do grafite na cidade, seguindo os passos do prefeito de São Paulo, João Dória. “O único problema do grafite que eu pessoalmente não gosto, mas não tenho o direito de gostar ou não gostar, é que ele cultiva uma estética da morte”, afirmou o prefeito em entrevista ao jornal Gazeta do Povo. “Gente drogada, gente verde, gente com cara de morta [estampada nas ilustrações]. O grafite usa esse imaginário que valoriza a dor, a morte, o sofrimento”, completou Greca, que considera que as Ruas da Cidadania constituem um bom lugar para o grafite na cidade. Novamente o embate entre culto versus inculto pode fazer com que a cidade se torne algo mais cinza.
Há, ainda, segundo informações obtidas por nossa equipe, a possibilidade que o Cine Passeio, complexo de cinemas públicos que está sendo criado na Rua Riachuelo no antigo prédio do quartel do Exército, com inauguração prevista para novembro deste ano, não se concretize. Apesar dos recursos já terem sido arrecadados, a atual gestão teria estudos que apontariam que o público curitibano não se interessaria por um cinema de rua, o que inviabilizaria a concretização do projeto. Existe a possibilidade de que o complexo seja transformado em uma espécie de museu e centro de estudos cinematográficos.
É preciso estreitar o diálogo com a população, de forma que esta compreenda o poder e a importância da Cultura, inclusive como impulsionadora da economia em todos os âmbitos. “O preconceito com os artistas e tudo que se refere à cultura existe”, afirma Anaterra Viana. “Tem havido, por parte da população, uma criminalização às leis de incentivo. Vimos isso desde as manifestações pró-impeachment. Pessoas chamando artistas de vagabundos sem nem entender como funciona o processo. Como se o Estado ‘bancasse’ a Cultura e como se artista não fosse um trabalhador”, finaliza.
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