Stephen King ainda estava colhendo os frutos de seus dois primeiros livros quando decidiu criar o pseudônimo Richard Bachman, em 1977. A ideia original, segundo a biógrafa Lisa Rodak, era ter um nome alternativo no mercado, em que o autor pudesse explorar outros tipos de narrativas sem precisar ficar à sombra de seu crescente estrelato. Pelo alter ego foram lançados os livros Fúria, A Longa Marcha, A Autoestrada e O Sobrevivente.
Em 1984, o lançamento de A Maldição deu início a uma série de especulações de que Bachman e King seriam a mesma pessoa. O escritor sempre negava. As cortinas da farsa caíram depois que um fã fervoroso confrontou o romancista com a informação, o que o levou a revelar a identidade do pseudônimo ao público em 1985.
A frustração virou um novo romance. Lançado em 1989, A Metade Negra acompanha Thad Beaumont, um escritor refinado que só encontra sucesso com as violentas narrativas policiais assinadas pelo seu pseudônimo, George Stark. Depois que um fã descobre a identidade e passa a chantageá-lo, o personagem decide, ao lado da esposa, revelar a informação à imprensa promovendo um enterro simbólico do alter ego. O problema é que Stark cria vida e decide se vingar de todos que foram responsáveis por sua morte.
O romance, cheio de cenas grotescas, se tornou um marco na trajetória de King. Em primeiro lugar por refletir seu drama com Bachman. Depois, por retratar parte de sua luta com sua própria metade negra, num momento em que se livrava do vício das drogas. Esse foi o último livro que escreveu antes de ficar completamente sóbrio.
Embora tenha lá seus problemas narrativos (dava para virar um filme bem mais enxuto), A Metade Negra merece um lugar melhor no hall das adaptações de Stephen King para o cinema.
É natural que a história precisasse ser tratada com cuidado e ninguém melhor do que George Romero poderia fazer isso naquele momento. A relação entre o cineasta e King começou no início dos anos 1980, quando o primeiro decidiu fazer uma visita ao escritor e cortejá-lo para adaptarem a saga A Dança da Morte. O filme nunca saiu do papel, mas os dois começaram a trabalhar juntos em Creepshow – Show de Horrores (1982) e se tornaram amigos.
Como Beaumont vive na tentativa de superar a parte mais famosa e agressiva de si mesmo, para Romero a trama de A Metade Negra refletia uma vontade de superar a fama de diretor de filmes de zumbi. Para viver o protagonista (e o antagonista), a produção escalou Timothy Hutton – hoje famoso pelo papel de pai do núcleo de adultos em A Maldição da Residência Hill. Michael Hooker foi selecionado como o xerife Alan Pangborn, pois o romance marca a estreia do personagem e é um dos últimos a ser ambientado na cidade de Castle Rock.
Relatos de bastidores dão a entender que as filmagens foram bastante turbulentas, com Hutton pedindo demissão por alguns dias e a Orion, que financiava a empreitada, declarando falência. Os problemas fizeram com que o filme fosse lançado dois anos depois do término das filmagens, possivelmente afetando o resultado da obra nas bilheterias americanas.
Embora tenha lá seus problemas narrativos (dava para virar um filme bem mais enxuto), A Metade Negra merece um lugar melhor no hall das adaptações de Stephen King para o cinema. Profundamente fiel ao material original, Romero criou uma iconografia belíssima, especialmente nos momentos em que se inspira em Os Pássaros (1963) e coloca os pardais, alucinações de Beaumont que se tornam reais, como ameaças constantes ao fundo da cena.
É também um filme bem horrível, no sentido literal. Stark, como revelado no prólogo do livro e da adaptação, surge inicialmente como um gêmeo mal desenvolvido de Beaumont. Confundido com um tumor, ele é descoberto como um olho, que pisca, dentro do cérebro do jovem escritor. A cena é, de longe, a mais marcante da obra e um legado inconfundível da parceria de dois dos nomes mais importantes do gênero nos Estados Unidos.