C lássico da literatura latino-americana sobre comunicação de massa, o livro Para Ler o Pato Donald (1971), de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, analisa como os quadrinhos do Tio Patinhas propagam uma nociva ideologia colonial oriunda dos Estados Unidos. Nessas histórias, os aventureiros sempre vão a países exóticos, onde enfrentam nativos agressivos e sem educação, exploram riquezas e defendem o estilo de vida norte-americano.
A crítica dos autores aos gibis também pode ser aplicada a muitos títulos do cinema kaiju produzidos por Hollywood. É o caso de O Filho de King Kong (1931), A Ilha Desconhecida (1948) e O Monstro de um Mundo Perdido (1949). Em especial, o tom colonialista é ainda mais acentuado em A Volta do Mundo Pré-Histórico (1960).
Ficção científica barata e feita de olho no público infantojuvenil, a obra é de muito mau gosto para o século XXI. Além de trazer brancos como civilizados e salvadores, a narrativa representa negros e latinos como sujeitos preguiçosos, desajeitados e ligados ao banditismo.
Embora tenha momentos inspirados, como uma batalha de um tiranossauro contra uma retroescavadeira, não há nada que justifique resgatar o filme de Yeaworth hoje.
No enredo, dois dinossauros são encontrados no fundo do mar por operários do continente em uma ilha do Caribe. Os trabalhadores içam as criaturas para fora da água, sem perceber que trazem para a lama um neandertal. Durante a noite, uma tempestade de raio atinge os corpos inteiramente preservados, que ganham vida e começam a aterrorizar os moradores.
Dirigido por Irvin Yeaworth, de A Bolha Assassina (1958), o longa-metragem usa de stop motion para dar vida aos animais pré-históricos. O resultado em nada se parece com os feitos da técnica dynamation, criada por Ray Harryhausen. Os bichos são lentos, têm uma interação artificial com os humanos e não ocupam muito tempo de tela.
Boa parte do desenrolar de A Volta ao Mundo Pré-Histórico é centrada no neandertal, que interage com novas tecnologias, provoca risadas no público e se torna amigo de uma criança. Ele também protagoniza uma das cenas mais constrangedoras e machistas da narrativa. Uma mulher (Kristina Hanson), depois de ser salva pelo homem das cavernas, se submete a cozinhar e cantar para ele para evitar ser estuprada.
Embora tenha momentos inspirados, como uma batalha de um tiranossauro contra uma retroescavadeira, não há nada que justifique resgatar o filme de Yeaworth hoje. Aliás, mesmo na época do lançamento o título era mal visto pelos críticos. Em 1961, quando estreou no Brasil com o título Dinossauro (A Volta ao Mundo Pré-Histórico veio depois, com as reprises dubladas na televisão aberta), o crítico Fernando Spencer, do jornal Diário de Pernambuco, foi bastante direto: “Nada pode se levar a sério nessa fitinha incongruente e sob todos os aspectos medíocre”.
Produzido e idealizado pelo produtor Jack H. Harris, que faz uma ponta como coadjuvante. Com bastante experiência na televisão, ele emprestaria o brontossauro do filme para o episódio “A Odisseia do Voo 33” da série Além da Imaginação. Uma década depois, ainda financiaria a Equinox (1970), outra fita kaiju barata com efeitos visuais em stop motion.
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