Uma das histórias de horror mais assustadoras do século passado é a do Edifício Joelma. Localizado na Praça da Bandeira, no Centro de São Paulo, o prédio pegou fogo em 1974 e matou 189 pessoas. O caso todo foi televisionado e traumatizou espectadores, que assistiram aos suicídios das vítimas que se jogavam da janela para fugir do calor.
Minha geração teve contato com o caso em 2005, com um episódio especial no programa Linha Direta: Mistério. Montado como um filme de horror, o programa apresentava os antecedentes e desdobramentos paranormais do incêndio, que culminaram na fama de que o local hoje é mal-assombrado.
Algum tempo depois de assistir ao especial da Rede Globo, li Somos Seis, de Chico Xavier. A obra apresenta cartas supostamente psicografadas de vítimas da tragédia. Também vi o estranhíssimo Joelma 23º Andar (1979), de Clery Cunha, que adapta o livro do famoso médium brasileiro e é recheada de causos de assombração nos bastidores.
Quando visitei São Paulo com tempo livre, em 2012, me obriguei a conhecer o local – que me gerou pesadelos por anos. Infelizmente, o passeio não incluiu uma volta pelo cemitério São Pedro, em que lápides de 13 vítimas não identificadas e que morreram carbonizadas no elevador do edifício gritam por água durante a noite.
É possível que meu fascínio pelo triste caso do Joelma não seria nada sem a dramatização exagerada do Linha Direta. Ao forçar uma narrativa de gênero, inserindo fantasmas no discurso jornalístico, a atração que era apresentada por Domingos Meirelles determinou, para mim, que o prédio tinha ares sobrenaturais. Assim, seria uma porta possível para o fantástico.
A televisão, o cinema e a literatura criam locais como esse o tempo todo. Cenas de assassinatos terríveis se tornam pontos turísticos. Hotéis incorporam aos seus funcionários gente especializada em fazer barulhos para assustar hóspedes, que pagam para ter medo. Museus exibem corpos mumificados e esqueletos humanos para atrair mais turistas. Quanto mais amedrontador, melhor.
Sem perceber, ignoramos a parte verdadeiramente assustadora por trás desses fatos reais para nos prendermos ao que tememos nos filmes: o monstro, o estranho e o assassino.
Uma edição especial da revista Mundo Estranho de abril apresentou um guia turístico com mais de uma centena de lugares aterrorizantes para serem visitados pelo público que se interessa por esse tipo de roteiro. Da lista, que inclui o Edifício Joelma, o que mais impressiona é a maneira como a reportagem constrói a representação desses espaços. Quando não legitima o discurso sobrenatural como verdade, o texto apela para a familiaridade do caso no cinema ou na televisão.
O edifício Dakota, em Nova York, é apontado como assustador por ter sido palco do assassinato de John Lenon. Também foi o local em que Roman Polanski rodou O Bebê de Rosemary (1968) e atestou a morte dos filmes de horror clássicos (leia mais). Quem passa pela frente do prédio, jamais desconfia, sem a referência, do tipo de carga histórica atribuída ao local pelos macabros.
https://www.youtube.com/watch?v=R-zeWoZimvo
Nem todo mundo imagina conhecer Londres pela ótica dos assassinatos de Jack – O Estripador, mas existem passeios concorridos dedicados ao tema. O mesmo vale para a região em que ocorreram os crimes da Família Mason, grupo de assassinos que tirou a vida de nove pessoas no verão de 1969.
Essa nossa transposição do fascínio do horror para o mundo material parece reproduzir as regras da ficção. A experiência é sempre pelo pitoresco, especulativo e que beira a ficção. O que é duramente traumático é deixado de lado e não entra na mesma categoria de “diversão”. Museus dedicados aos grandes pesadelos da nossa história, como a escravidão dos negros e o holocausto, são sérios. Com certos tipos de mortes não se brinca.
As outras experiências nos aproximam do que vemos nas fitas de assombração. Sem perceber, ignoramos a parte verdadeiramente assustadora por trás delas para nos prendermos ao que tememos nos filmes: o monstro, o estranho e o assassino. É a velha lógica da montanha-russa, em que sentimos a emoção, mas sempre continuamos em segurança.