No começo de 2013, quando esta coluna era apenas um blog no jornal Gazeta do Povo, fiz uma lista de estreias de filmes de horror durante o ano. Com uma ampla perspectiva sobre o que entendia ser o gênero, citei diversos títulos com elementos assustadores que talvez não entrariam na seleção de outras pessoas. Entre eles estavam Oz: Mágico e Poderoso (2013), Círculo de Fogo (2013) e Depois da Terra (2013).
Recebi algumas respostas de leitores furiosos com a inserção de filmes de ficção científica e fantasia. Teve quem me acusasse de não saber direito o que era o horror. A frustração até tinha algum sentido no senso comum, que nunca entenderia o prelúdio de O Mágico de Oz, dirigido por Sam Raimi, como uma fita de monstros feita para dar medo (ainda que eu mesmo tinha visto isso acontecer com duas crianças).
A hesitação dura pouco. Uma narrativa puramente fantasiosa seria rara porque a trama precisaria ficar aberta, sem que os fenômenos fossem devidamente definidos como sobrenaturais.
Talvez eu devesse ter pensado aquela lista como se fosse uma seleção de lançamentos de cinema fantástico. Poderia acalmar os ânimos dos leitores, mas talvez criasse novas confusões no âmbito teórico. Explico: o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov (1939-2017) define narrativa fantástica a partir de uma “hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente natural”.
O autor é certamente a maior referência acadêmica sobre o fantástico. Trabalhos que buscam definir a origem do conceito passam, mesmo que brevemente, por sua obra Introdução à literatura fantástica. Ali, o pesquisador europeu definiu o gênero literário pela presença de personagens que hesitam diante de um elemento improvável ou impossível.
O problema é que o gênero, para Todorov, se encerra nessa hesitação. “Num mundo que é bem o nosso, tal qual o conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mundo familiar”. Diante do fato improvável, a narrativa geralmente apresenta duas explicações, a sobrenatural ou a racional.
Esses desfechos, que identificam a natureza do que antes era desconhecido na trama, mudam o gênero de uma narrativa. Um fato improvável explicado por lógicas que obedecem as do mundo natural torna a história parte do gênero estranho. Um fato impossível e sem explicações que obedecem as do mundo natural a torna parte do gênero maravilhoso.
Psicose (1960), para Todorov, seria uma narrativa do estranho. O Monstro da Lagoa Negra (1954), do maravilhoso. Note-se que ambos os filmes são incontestavelmente considerados de horror. Pela teoria, nenhum seria do fantástico. Isso porque a hesitação dura pouco. Uma narrativa puramente fantasiosa seria rara porque a trama precisaria ficar aberta, sem que os fenômenos fossem devidamente definidos como sobrenaturais.
Essa perspectiva teórica, bastante referenciada, também é muito acusada de ser restritiva. As pessoas geralmente incluem todas essas formas narrativas no mesmo balaio do fantástico, mas deixam de fazer as considerações necessárias. Afinal, se formos discutir demais sobre teoria dos gêneros narrativos sempre corremos o risco de ser considerados chatos – como meus leitores lá de 2013.