A sétima edição do Olhar de Cinema, aqui de Curitiba, exibiu no dia 8 de junho uma cópia restaurada em 4K de A Noite dos Mortos-Vivos (1968). A sessão estava lotada e tinha um ar de celebração dos 50 anos da obra de estreia do diretor George Romero. Aparentemente, parte do público nunca havia assistido ao filme, pois ouvi várias reações de surpresa em certos momentos da trama. Mesmo sem conhecer a produção, muita gente deve ter notado como ela dialoga com um repertório bastante familiar do horror.
Durante as últimas cinco décadas, a obra de Romero foi esquadrinhada, desconstruída e reapropriada em uma centena de outros títulos. Em outras palavras, o filme se tornou um dos mais influentes da história do cinema de horror, especialmente porque criou uma iconografia repleta de imagens que se repetem em outras produções.
Uma das cenas do recente Cargo (2018), por exemplo, mostra o personagem Martin Freeman encarando um zumbi que o ameaça da janela do carro. O plano do longa-metragem australiano, dirigido pela dupla Ben Howling e Yolanda Ramke, remonta uma cena muito parecida do início de A Noite dos Mortos-Vivos, em que Barbara (Judith O’Dea) é atacada por um violento sujeito – quem nem parece um cadáver ressuscitado.
O mesmo tipo de imagem é usada por Steven Spielberg em um dos momentos mais tensos de sua adaptação de Guerra dos Mundos (2005). Na cena em questão, Robbie (Justin Chatwin) conduz o carro, com o pai e a irmã, em direção a uma multidão enfurecida por ver que a família é a única com um carro que funciona. Os três são retirados à força por pessoas iradas, que lembram muito o comportamento dos zumbis de Romero.
Outra iconografia recriada inúmeras vezes a partir da obra de 1968 é o modo como se dá a invasão dos mortos. Mesmo depois de ter as janelas e as portas reforçadas por madeiras retiradas de móveis, os sobreviventes liderados por Ben (Duane Jones) não conseguem conter a força da horda de criaturas que rompem a resistência e se jogam sobre os protagonistas como canibais.
Essa imagem aparece no clipe Thriller (1982), dirigido por John Landis. Michael Jackson vira um morto-vivo que deixa a namorada encurralada dentro de uma casa. A mesma cena também é comum nos jogos da série Resident Evil e no seriado The Walking Dead, que constantemente colocam os mortos rompendo janelas reforçadas com madeiras.
Sem ‘A Noite dos Mortos-Vivos’, boa parte da iconografia dos filmes de zumbi não existiria hoje.
Em A Noite dos Mortos-Vivos, há uma menina que é mordida por uma das criaturas, cuja ameaça de transformação paira sobre os demais personagens. Enfraquecida, ela parece inofensiva, mas é responsável por ao menos duas mortes da trama. A mordida secreta que carrega seria um dos clichês mais recorrentes desse subgênero e aparece em Maggie: A Transformação (2015), A Volta dos Mortos Vivos (1985) e REC (2007).
O título de estreia de Romero também foi o primeiro a propor a ideia de uma equipe militarizada que, sem responder a qualquer tipo de autoridade pública, assume uma ofensiva contra os zumbis e se tornam, eles mesmos, um tipo de ameaça aos demais personagens. Ben é assassinado por um desses personagens na última cena do filme. É bem possível pensar que os militares são bem mais perigosos que os zumbis em filmes como Extermínio (2003),Planeta Terror (2007) e Melanie – A Última Esperança (2016).
Há inúmeras outras imagens produzidas por A Noite dos Mortos-Vivos que se tornaram elementos fundamentais dentro das narrativas de horror, como os sobreviventes procurando por respostas na televisão, o personagem que se recusa em ajudar e a onipresença da horda de zumbis do lado de fora do refúgio. Sem esse primeiro filme, essa iconografia simplesmente não existiria no nosso imaginário coletivo.