Em Psicose (1960), Alfred Hitchcock filma um pervertido Anthony Perkins observando Janet Leigh se despir por um buraco na parede. Minutos depois de ficar nua, a personagem é assassinada a facadas numa das cenas mais belas e assustadoras da história do cinema. Enquanto sujeito externo da cena, o espectador vê as curvas sensuais da atriz como um comparsa de seu algoz e assiste a uma violenta cena de morte como um sádico. A cena me parece particularmente emblemática para o fã de filmes de horror, que ao defender obras violentas com efeitos visuais obsoletos e um orçamento precário, parecem se aproximar de um voyeur obcecado pelo nu.
Uma vez, um colega me disse que o cinema de horror é como a pornografia. O que importa é ver o proibido, obscuro e marginal, independente da qualidade da obra. Nessa perspectiva, ver filmes como O Monstro do Armário (1986), de Bob Dahlin, ou qualquer outro título da Troma seria uma forma de saciar uma necessidade de ver aquilo que, provavelmente, produziria uma falsa catarse, diante de uma obra que não mereceria elogios de um especialista. O ato seria parecido com o de sair dos fundos de uma locadora com uma fita de sexo explícito e defender sua qualidade com unhas e dentes. Aos olhos da sociedade, isso não fica bem e pouco parece um exercício de apreciação da estética cinematográfica.
É possível que o horror seja próximo da pornografia. Analistas observam que as criaturas da literatura de Lovecraft podem ser um reflexo de suas inexperiências sexuais.
É evidente que Psicose não entra no hall das produções bagaceiras que são alvo desses ataques. O foco geralmente são os títulos de diretores como George Romero, Charles Band, Roger Corman, José Mojica Marins e Stuart Gordon, entre inúmeros outros. Mesmo que imperfeitos, especialmente na construção dos sustos (que parece ser determinante para definir a qualidade de um filme de horror para algumas pessoas), esses filmes possuem um visual atraente – seja na ambientação, nos efeitos especiais ou no ritmo dado pelas atuações.
É possível, no entanto, que o horror realmente seja próximo da pornografia. Na literatura de H. P. Lovecraft, considerado um dos nomes mais importantes do horror, os monstros são sempre figuras difíceis de serem imaginadas e cuja materialização nunca faz jus às descrições. Ao comentar a obra do autor, Stephen King diz que tudo é uma metáfora sobre a genitália feminina, de um homem que teve raras experiências sexuais ao longo da vida. O criador dos mitos Cthulhu, portanto, recheava seus contos com ideias condenáveis sobre o sexo e outros conhecimentos que poderiam levar o homem à danação. O debate todo parece uma discussão de psicanálise complexa, que foge das minha capacidade de argumentação.
Subgêneros como o gore ou o torture porn, em sua essência, também parecem dialogar com essa proximidade entre o horror e a pornografia. Quem vê (e gosta) de filmes como O Albergue, de Eli Roth, é acusado de ser imaturo, sádico e, não raramente, de ter algum tipo de distúrbio. No ano passado, uma senhora interrompeu o lançamento do livro Cinemas de Horror, organizado por Demian Garcia, para falar sobre como esses títulos corrompem a juventude ao incentivar a violência. “Mas eles celebram a vida ao nos obrigar a torcer pelas vítimas”, defenderia o jornalista Carlos Primati, especialista no tema.
De uma certa maneira, os monstros e as mortes no cinema de horror são como as pessoas peladas das fitas de sexo explícito na medida em que são responsáveis por definir um gênero narrativo. Assim como a comédia, a ação e o western, essas produções são vistas por um público que busca nelas algum tipo de emoção ou prazer (que nem sempre está na qualidade estética da obra). Em seu livro, Monsters in The Movies (2011), John Landis diz que só gosta de produções de horror porque curte olhar para os monstros, que o permitem vislumbrar seus próprios pesadelos.
Se tivesse que arriscar uma resposta, eu diria que o horror é um gênero narrativo que não se sustenta apenas por um conjunto de cenas mal costuradas. A pornografia, por outro lado, pode ser realizada com um único plano, que nem sempre se preocupa em criar um conjunto coerente de ações. Na maioria dos casos, ela estaria mais próxima do vídeo do que do cinema. Isso não impede que existam belos filmes pornográficos por aí, ainda que muitos tenham medo de usar o rótulo.