Há uma incoerência inerente no interesse do público pelo horror. No nosso dia a dia, evitamos atravessar uma rua escura no meio da noite com medo do que pode nos acontecer se algo ou alguém estiver escondido pelos becos, à espera de uma vítima. O mesmo cenário no cinema, no entanto, geralmente nos leva a torcer para que o personagem se aventure pelas sombras da viela e encare a ameaça.
O teórico Nöel Carroll chama essa contradição – entre o queremos para o nosso cotidiano e para a ficção – de paradoxo do coração. No horror, somos atraídos por aquilo que rejeitamos na vida real. Uma das explicações possíveis para isso seria a de que usamos o gênero para nos aventurar no medo com algum tipo de segurança, tal qual um passeio em uma montanha-russa (leia mais).
A psicóloga italiana Maria Rita Ciceri, em seu livro O medo: lutar ou fugir?, afirma que o medo é um mecanismo de preparo para a convivência social. Embora seja uma emoção que consideramos invasiva e que deve ser evitada, experimentá-la é importante porque nos prepara para o mundo ao nosso redor.
O medo de encontrar uma desagradável surpresa quando ouvimos o barulho estranho no lado de fora da casa é o que nos leva a acender as luzes do quintal.
Segundo a autora, o medo “mais do que ser condenado, configura-se como uma especializada modalidade de o nosso organismo reelaborar as informações e enfrentar a realidade”. Trata-se, portanto, de um sistema de defesa, que nos protege considerando as potenciais ameaças, calculando saídas para os problemas que nos cercam.
Na animação Divertida Mente (2015), dirigida por Pete Docter, o personagem Medo é aquele que mantém a menina Riley a salvo de problemas. Ele evita que ela se machuque física e emocionalmente. É quem a acorda de um pesadelo com palhaços para que possa voltar a dormir.
É comum que consumidores com pouca ou muita familiaridade com filmes de horror reclamem de decisões tomadas por certos personagens durante um enredo. Se uma pessoa está sozinha em casa, ouve um barulho suspeito no andar de cima da casa e decide subir para investigar, ela é imediatamente taxada como imprudente pelo público. A empatia nos leva a esbravejar contra o ato, pois pode resultar em morte.
No exemplo percebemos a importância dessa distância entre o que vivemos e o que vemos no cinema. Ao subir as escadas e encarar a possível ameaça de frente, um personagem nos aponta um caminho para lidarmos com uma situação semelhante nas nossas vidas. Imediatamente imaginamos o que faríamos no mesmo lugar.
O medo de encontrar uma desagradável surpresa quando ouvimos o barulho estranho no lado de fora da casa é o que nos conduz a acender as luzes do quintal. Sair no escuro é coisa de gente besta dos filmes de horror. Sabemos disso por causa dessa contradição do gênero, que nos permite interiorizar o medo a partir da ficção.